sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ourivesaria


Abro uma fresta na janela,
Um pouco da branda claridade adentra ao quarto,
Passa das seis e esqueço as horas,
Uma leve e fria brisa amplia-se em toda a volta.


Alguns peregrinos pássaros cantam ao longe,
A cidade começa a renascer,
Mais uma madrugada já ficou para trás,
E uma pilha de papéis ocupa o pensamento.


Acho que não quero compor um poema de Amor,
Não desejo aquelas rimas fáceis que colam mecanicamente umas nas outras,
Busco inspiração na luminosidade que se alastra em todo o recinto,
Seria tão aprazível uma composição mágica entre meus dedos.


Para o desconforto, não existe a tal magia e escrever é uma tarefa árdua,
Na inglória batalha do pavor de nunca encontrar o final do túnel,
Parte-se do pressuposto que alguma coisa será digerida,
Afinal, quem sabe previamente qual será o impacto das palavras?


De uma noite insone ao ardor dos olhos,
Visão desatenta para uma pilha de livros,
Somente desejaria observar um porta-retrato,
E pudesse sentir ao menos por um momento aquele inigualável sorriso.


Todo escritor é vulnerável às palavras e cúmplice dos sentidos,
Lapidar os vocábulos como se fossem pequenos diamantes,
Uma hercúlea tentativa de adornar seus olhos,
Com as palavras mais harmônicas e precisas que possam acalentar sua alma.


Daria uma gota de suor para cada tênue palavra,
Lentamente límpida e precisamente lustrada,
Erguida gentilmente pelas minhas próprias mãos,
E delicadamente ser entregue entre os seus dedos.


Bordar tantas palavras é guerrear numa luta vã,
Já dizia o poeta Drummond... (E com razão!),
Como prometer um mítico acesso ao Paraíso,
Se o que apenas faço é rabiscar transcritos do coração?


Tantas criaturas verbalizam palavras sem nexo,
É tão simples regurgitarem promessas fáceis que mal seduzem uma meretriz,
Políticos, juízes, famintos abutres e toda horda de cafajestes,
Quem se responsabiliza pelo que diz?


A palavra posta no papel pode ser aquela enjaulada na alma,
Delineada com leveza por um lápis ou composta pelo olhar,
Poderá descrever com suavidade um sentimento aturdido,
Um esboço quase autofágico do verbete “saudade”.


Trocaria todas as palavras,
Por um verdadeiro e áureo vocábulo,
Que colhesse cada lágrima delineada em sua face,
E quem sabe assim pudesse sentir o calor que emana do meu peito.


Tantas palavras compactadas na boca que adorariam voar pelos ares,
Outras tantas palavras transcritas à tinta ou algum pedaço de giz,
Quantos vocábulos ainda seriam necessários invocar,
Na tradução mais perfeita para os seus olhos da palavra Amor?

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