quinta-feira, 31 de julho de 2008

Música Lenta


Por que temos que dançar tão depressa,
Quando a música pede um ritmo menor?
Por que acelerar tão severamente os passos,
Quando o silêncio nos faz ouvir melhor sua melodia?


Por que correr tanto com a vida?
Se lentamente podemos com calma saborear melhor os frutos,
Sentir os dedos entrelaçando-se com mais tranqüilidade,
A degustação serena da irradiação do olhar.


Por que tanta pressa em viver?
Se a cadência frenética das horas,
Passam tão depressa e instável,
Nem dá para sentir se é noite ou dia.


Gire a cadeira, observe à sua volta e veja,
Se o Sol brilha da forma que sempre você desejou,
Se o céu possui o azul que tanto seus olhos ansiaram enxergar,
Senão, alguma coisa poderá estar faltando de forma pouco transparente.


Deixe os problemas de lado,
Nada pode perturbar sua cabeça neste momento,
Apenas feche as pálpebras docemente,
E sinta-se um pouco mais próxima das nuvens.


Por que brincar de catalogar a vida com seriedade,
Se na verdade tudo não passa de um castelo de cartas,
Uma ventania e lá se vão valetes, damas e reis ao chão,
Voar, voar!... Por que voar tão baixo assim se é possível ir além?


Desacelere os passos da caminhada,
A sede não será aliviada jogando água salobra no rosto,
Sinta um pouco da simplicidade da brisa,
Abra a janela e respire um pouco mais profundo.


Não corra. Caminhe!
Não cale. Fale baixinho ao meu ouvido!
Não chore. Sinta o toque dos meus dedos sobre a sua face.
E siga calmamente ao meu lado.


Sem afobações, não tire conclusões precipitadas,
Sem justificativas, deixe o coração redigir os anseios,
Sem pisar em falso, acomode delicadamente seus pés no asfalto,
Sem descolorir os dias, borde com serenidade seu caminho.


Liberte-se do que domina a garganta,
Desenlace os pés com a sintonia da música,
Abra aquele sorriso tão característico,
E não abaixe a cabeça para nada nesta vida.


A vida não foi feita ontem,
E não irá acabar no início do anoitecer,
Aspire com ternura o aroma adocicado das flores,
Não vale a pena corre tão segura para um inócuo vazio.


Pare! Não desvie novamente os olhos,
Não é necessário ocultar nada do que já é conhecido,
Uma bela canção sempre pede que acompanhemos sua musicalidade,
Segure firme minhas mãos para que possamos iniciar a valsa.


Confie! Conceda-me mais um dança,
Olhe fixamente diante dos meus olhos,
Sentir o contato singelo dos lábios,
Transpirando à frio o desejo incontido.


Ouça! Por favor, ouça a música lenta,
Que adentra brandamente aos seus ouvidos,
Desamarre os grilhões que asfixia o coração,
Permita que a sua alma seja invadida pela vontade de ser feliz.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Palpitações


Na floresta dos piores pesadelos,
Não há nada que adentra em suas raízes,
Consegue sair com algum fragmento de alma,
A vida sendo escoada por um rodamoinho.


Quando mais se dá as costas,
Sentimentos mais sinceros e nobres,
Deixados de lado pela renúncia da vontade,
Tudo se enraíza com mais força dentro da floresta.


Em suas densas folhagens margeadas por todos os lados,
Não permitem a luz naufragar com mais devassidão,
Os dias e noites são tão similares e opacos,
A umidade transforma o recinto num ambiente quente e intranqüilo.


Todos os anseios, falsas certezas e medos,
Foram condicionados em suas grandes folhas fechadas,
A voz que ansiava ecoar com o que restou de sobriedade dos pulmões,
Ficou petrificada em seu interior.


O oxigênio é um raro recurso,
Numa atmosfera beirando à asfixia,
Resquícios de coragem selados sem ilusões,
A floresta devora seus tênues pressentimentos.


Deixe, deixe fluir o que mais deseja,
Deixar objetos desnecessários calarem seu ego?
Nada vale a pena se não for regido pela vontade,
A dor da falta e a dor do Amor.


A floresta tem uma cor quase negra,
Como as cores do interior de um trancafiado sótão,
Toda vontade sucumbida pelo silêncio,
O vácuo é o que resta depois de tudo.


Os desprotegidos pés teimam em não saírem da floresta,
Acreditando que não seja possível vida lá fora,
Mas a floresta é voraz e sorrateira,
Devora secamente seus inquilinos com uma tamanha insensibilidade.


A floresta se alimenta das dores e todos os prantos,
Aprisiona em seu labirinto toda chance de Paz,
Sem recursos físicos, padecem as pernas de cansaço,
A impiedosa fronteira entre a vida e a noite.


Mesmo a mais sublime das canções proferida num canto de liberdade,
Parece não provocar uma ressonância magnetizada pelos tímpanos,
A floresta engana e deseja convencer que seu lar é supremo,
Até dizem que Deus criou o mundo a partir de uma floresta similar. Blasfêmias?


A floresta conserva todos os seus elementos básicos,
Lágrimas, olhares e visões do Paraíso desencantado,
A palavra morta, o silêncio casto e os rabiscos de glória,
O que realmente nos prende a esta vida?


Não busque abrigo no seio da floresta,
Lá não encontrará mais do que escuridão,
Horas calvas e amargas irão compor o destino,
Reminiscências de lugares-comuns ao longo do caminho.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A Bússola Cega


Há três caminhos possíveis a seguir,
O árduo e truculento caminho das pedras,
A intangibilidade inverossímil do caminho fluído,
A resistência robusta do caminho em solo.


Qual caminho você pretende seguir?
Entoar uma lágrima ou florir um sorriso na caminhada,
Compartilhar experiências ou ser ingerida pelo próprio ego,
Viver uma vida ou permanecer na opção pela infelicidade.


Qual caminho você pretende seguir?
É mais fácil recuar perante os medos,
Empacar diante dos desejos,
Fugir para não se dispor a resistir.


Qual caminho você pretende seguir?
Acreditar nas certezas de gelatina,
Esconder-se dentro do quarto escuro,
Abrir a janela para entrar um pouco de ar.


Que caminho você pretende seguir?
Tantas são as palavras que podem fazer-lhe companhia,
Levar as mãos sobre os ouvidos ignorando a sonoridade ao redor,
Atravessar a vida munida somente de uma bússola cega.


Qual caminho você pretende seguir?
O sangue prensado nos pés marchando no campo de batalha,
Mergulhar na dimensão vazia dos atalhos incertos,
Trilhar pela brasa incandescente dos portais até Mefisto.


Qual caminho você pretende seguir?
Entre a possibilidade de frustração e a acomodação do casulo,
A opção sempre pelos níveis de menor energia,
Tantos receios de ter algum solavanco e desfazer castelos de areia.


Qual caminho você pretende seguir?
O sorriso aberto da criança,
A lágrima confinada no canto do olho diante do espelho,
As mesmas desculpas deliberadas de falso bem-estar.


Qual caminho você pretende seguir?
Recolher flores despetaladas pelo chão,
Colher uma rosa vermelha para o seu cabelo,
Sentir o aroma de um jardim de sinceras alegrias.


Qual caminho você pretende seguir?
Consumir bobagens demagógicas dos abutres,
Guiar-se pela ladainha podre dos usurpadores de alma,
Entregar-se num Amor sincero lentamente invadindo seu coração.


Qual caminho você pretende seguir?
Verdades presas ao cemitério,
Vontades suprimidas à renúncia,
Desejos castrados à pulsão de morte.


Qual caminho você pretende seguir?
Se um punhado de tristeza,
A prisão inglória dos desejos,
A liberdade das portas abertas do cárcere.


Qual caminho pretende seguir?
Dar as costas aos anseios mais profundos,
Mastigar promessas infundadas sem morada,
Marchar seguindo a luz que brilha ao longe.


Qual caminho pretende seguir?
Curvar silenciosamente diante do espelho,
Fechar à porta na cara alheia,
Correr para a maré que mareja seus olhos.


Qual caminho pretende seguir?
Deixar ser levada pela ventania,
Atravessar o leito do rio,
Privar os lábios de um único amoroso toque.


Qual caminho pretende seguir?
Deixar o futuro vir a ser uma fotocópia do passado,
Fingir sempre um sorriso pouco verdadeiro para a vizinhança,
Correr livre na praia mergulhando os pés na areia.


Qual caminho pretende seguir?
Peregrinar na escuridão da noite,
Andar no alvorecer do dia,
Sentir a brisa da tarde.


Qual caminho pretende seguir?
Levantar os muros quando é mais fácil ceder,
Jogar fora a chave do baú trancado,
Abaixar a cabeça e fechar os olhos.

Qual caminho pretende seguir?
Negar aquele dia de Sol que você tanto desejou,
Vestir aquela roupa que tanto lhe faz bem,
Banhar-se nas águas que lhe dão liberdade.


Qual caminho você pretende seguir?
Não existe um único caminho em total segurança,
Não existem guias ou mapas dos arredores,
Não existe nada que expressa garantia, exceto arriscar a caminhar.


Qual caminho você pretende seguir?
Se permita apenas por um momento,
Deixar a autopunição de lado,
E segurar em minhas mãos para qualquer caminhada.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Primeira Infância


Quando era dono do meu mundo,
Sabia tanto da vida quanto a profundidade de um pires,
Minha rua era um deserto e ninguém para brincar,
A solidão até que virou uma boa amiga.


Minha avó era um tanto estranha e avessa às pessoas,
Meu pai sempre foi quase transparente,
Minha mãe era mais terna e doce,
Já a Nena nunca aprendeu a jogar futebol!


De tantos poucos recursos,
O meu reino era o quintal de casa,
Tinha uma gata sem nome que logo me abandonou,
Acho que não tive muita sorte com gente e animais!


Minhas primeiras letras vieram da paciência de minha mãe,
Como detestava aquele livro de capa branca e páginas a quatro cores!
Decorar, soletrar, escrever... Se eu bobeasse, surgia um bom cascudo!
Com foi um fardo os primeiros passos nesta tal alfabetização!


Aqueles dias pareciam serem eternos... É só pareciam!
Achava que tudo era para sempre, eterno e assim tudo iria nunca terminar,
Raramente ia a algum parque e às vezes visitava minha madrinha,
Contentava-me com os pequenos brinquedos espalhados pela casa.


Quando a televisão surgiu como a grandiosa atração da casa,
Não desgrudava meus olhos naquela tela em preto e branco,
Ainda lembro das caretas sem graça daquele palhaço descolorido,
Bozo?... Sinais dos tempos! (Tempo em que o único medo real era a Cuca!).


Naquele mundo tudo era sereno e tranqüilo,
Às vezes, sozinho no quintal, a tranqüilidade me entediava,
Mas não era nada fácil sentir que minha irmã e eu,
Éramos as únicas crianças daquela rua.


Como lidar com aquela solidão que nem ao menos sabia bem o que era?
Preso, o portão separava meu mundo do outro mundo que não conhecia,
Se bem que eu nunca achava que o outro mundo seria maior do que o meu quintal,
Só um pouco mais tarde, descobri que eu estava ligeiramente equivocado!


Era um menino que poderia ser considerado bem comportado,
Queria atear fogo na cozinha com os fósforos... Aventura logo frustrada!
Quase perdi meu dedo indicador esquerdo ensangüentado com uma machadinha,
Às vezes, tinha meus próprios métodos terroristas e suicidas que qualquer menino tem... Ou não tem?


Gostava de ficar próximo ao muro,
Olhando a paisagem... Monotonamente aquela paisagem,
O entardecer era sempre presente como uma fotografia 3x4 inesquecível na retina,
Era brincar, estudar, dormir... As pequenas grandes invariáveis regras do meu vasto cotidiano.


Minha primeira infância era tão dinâmica quanto uma partida de dominó,
Era importante ser um pouco mais criativo para vencer os desafios do insólito mundo do tamanho daquele quintal,
O caminho não era nada suave...
E guardava nas minhas pequenas mãos uma vontade atávica de me livrar daquela bendita cartilha!


O que queria mesmo era entender o mundo,
O que havia lá fora?... Logo depois do portão?
Só mais tarde que comecei a conhecer o tal mundo,
E daí ficou com uma grande indagação: seria bem melhor ter ficado dentro ou fora daquele portão?


Quando a vida é uma criança tudo é bem mais previsível,
Sem guardar traumas, mas com poucas dúvidas,
Naquele momento, era um menino que achava que conhecia quase tudo,
O quintal era um mundo onde eu tinha certeza que podia confiar.


Não tive grandes perdas, tampouco grandes ganhos...
Incluindo alguns doces nos momentos de rara afetividade de minha avó,
A vida seguia sempre seca, simples e saudosa,
No quintal, vivíamos todos contentes: meus brinquedos, a solidão e eu.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Mensagem para os Olhos da Amada


O Amor não corta; dilacera,
Transforma tudo o que acreditamos ter rédeas,
Assusta a soberania do próprio ego,
Derruba os blocos das grandes minúsculas certezas.


O Amor é uma carta sem data de postagem,
Com ou sem greve de carteiro,
Chegará de alguma forma ao destinatário,
Que baterá os olhos de alguma maneira no seu conteúdo.


O Amor é um vírus,
E potencialmente pode contaminar a todos,
Exceto os que colecionam feridas internas parindo anticorpos,
No limite, nada resiste à autofagia da essência.


O Amor não é uma mentira vulgar,
Também não é uma verdade pétrea,
É um estado de latência entre a cessão e a doação,
Não tem portas fechadas, mas continua uma chave anexa à fechada.


O Amor não é pasto,
Não pode ser ingênuo ou casto,
Não se nutre de amargura ou rancor,
Dos dias inglórios onde tudo sai errado.


O Amor não esgota tão facilmente a paciência,
E tranquilamente perturbador e adocicado,
Suporta alguns açoites e palavras ingratas,
Pequenas injustiças engolidas a seco.


O Amor não é uma mera dádiva,
Como se tudo despencasse do céu,
É sempre necessária uma contrapartida,
Onde a fuga inconsciente não macule a simplicidade das ações.


O Amor não é esconderijo,
Não é o abrigo insensato dos equívocos,
Um estado de situações plausíveis e atenuador de conflitos,
Minimiza muitas dores no tabuleiro da insensatez.


O Amor é manter os olhos despertos à noite velando o sono de criança,
É se deixar passar levemente a mão no cabelo,
Sorrir brilhando o coração e acenando com a mão,
É ter o outro coração em sangue não-coagulado na dor da insólita despedida.


O Amor não é ponto final,
É o mais sublime caminho,
Não pede carona ou cobra taxa de embarque,
É o guia de bordo que delineia o curso de uma estrada.


O Amor não precisa tridente ou batida do telefone na cara,
Não precisa fingir com altivez que não sente dor,
Desnecessário articular palavras desagregadoras e cruéis,
É soltar os grilhões de metal que cerceia a vida.


O Amor como ato imperativo,
Não é verbo; é puro desejo,
Pulsa intranqüilo à noite,
Só acalma apenas após um breve olhar.


O Amor que remói de saudade e chama pelo seu nome,
Seja no deserto gelado ou numa floresta de densa vegetação,
E trancada a sete chaves dentro de um armário protegido por longas muralhas,
Não há a entrega tão necessária para a condução do simples prazer.


O Amor não é um mero joguete de palavras fáceis,
Amar pode-se dialogar até mesmo no escuro,
Não há baú que possa trancafiar,
A estrada irregular dos mecanismos sensoriais do Amor.


O Amor, sobretudo é coragem,
Arregaçar as mangas e ir para o campo de batalha,
Não contar corpos ou fazer pilhagens na terra dos vencidos,
E estar ao lado e não deserdar do seu posto.


Amar é não ter medo de pára-quedas,
É pegar na mão e saltar de coração aberto,
Longe de preconceitos tolos, jargões e lugares-comuns,
Deixar os olhos percorrerem um pouco mais além do jardim da própria casa.


O ódio rasga a carne,
O Amor coagula imperfeições,
No berço, uma pequena alma chora,
A mãe voluntariamente dá o peito.


O ato de amar e se privar do ego,
Não cair na tentação de observar apenas a cor do umbigo,
É sempre dar um passo adiante,
Libertar-se de si na condição do outro.


O medo não pode ser maior do que o Amor,
Receios e tempestades não devoram sua chama,
O soturno grito de angústia será ouvido,
Mesmo que o silêncio encarcere os lábios.


O tempo que malogra os caminhos do Amor,
Dias de Sol, dias de chuva, feriados e finais de semana,
Ronda na atmosfera a imaginação que povoa a mente,
Lábios petrificados de tanto desejar um único semblante.


Aqueles olhos perdidos no horizonte,
Com insegurança nas pontas dos dedos,
Criando falsas convicções para o coração,
O Amor não devora a alma, apenas se banha com tranqüilidade.


Não é Amor aquelas fobias tão atávicas,
Os fantasmas rondando o presente,
O lacre inviolável da caixa de Pandora,
Não amar é a autopunição como falsa retórica de liberdade.


Quando se pega a estrada para enfrentar a obrigatoriedade do ofício,
E olha para trás com o desejo de viver sempre um pouco mais,
Apenas para rever o filho, apenas para rever quem se ama,
Só um dia a mais é pedido todos os dias.


Lembre-se que a vida é um trem trafegando numa via férrea breve e limitada,
Quando ocorrem, os reais amores são tão raros e profundos,
Depositar no casual sexo banal e aleatório a ilusão que a superficialidade ter algum valor
É confundir fútil contabilidade com raridade sentimental.


No Amor não há espaço para auto-suficiências e egoísmos solitários,
Como se cada ser fosse uma ilha situada num vasto arquipélago,
Guardada em si, dentro de castelos e gigantes portas de ferro,
Com o receio de se abrir os labirintos da alcova e se privar de suposta liberdade.


Não amar pelo que não é,
Não amar pelo que não possa vier a ser,
Amar verdadeiramente o que é fato,
Amar simplesmente, amar você!

terça-feira, 22 de julho de 2008

O Anjo Distraído


Numa noite de densas nuvens,
Bem lá do alto, desceu um anjo,
Olhos cintilantes e sorriso sem igual,
Buscando caminhar sobre o solo da Terra.


Sabia pouco da vida,
Tudo foi visto somente em manuais e coisas similares,
Acreditava na palavra dos homens,
Acreditava na palavra dos animais.


E assim começou o percurso,
Sentiu fome, frio e um pouco de sede,
Sequer uma casa, um teto, um abrigo,
Tudo ao redor era um deserto.


Bateu na primeira porta: nada,
Bateu na segunda porta: nada também,
Assim foi a mesma história até à décima porta,
Todos ignoraram o anjo na estrada.


Banhado de fé acreditava que tudo era passageiro,
Afinal, o Pai criou seus filhos à sua imagem e semelhança,
E se o molde tivesse errado?
Quem garantiria o altruísmo dos homens?


Perambulou durante três dias,
Varou congelado por três noites,
Apesar da situação desnorteadora,
Tinha fé que tudo era passageiro.


Enfim, numa certa casa,
Um homem de meia-idade e sorriso fácil,
Concedeu-lhe abrigo, carinho, sopa e pão,
Sem dúvida, o anjo ficou fortemente agradecido.


Foi presenteado com uma cama limpa, lençóis e cobertas quentes,
Num quarto pequeno, arejado e aconchegante,
Seria a personificação da bondade humana presente em gestos tão simples?
Naquele momento de calmaria e tranqüilidade absolutas.


De súbito o silêncio foi quebrado,
Seu corpo foi agarrado e suas vestes foram rasgadas,
Sua boca foi bloqueada agressivamente,
E o homem que havia gentilmente concedido abrigo, vociferava.


Naquele instante, o anjo atônico e desprovido de dignidade,
Aquele homem forçava violentamente a sua intimidade,
Lágrimas de desespero percorriam a sua face,
Não podia gritar, não podia se mexer; tudo era um mar de dor.


Após algum tempo de brutalidade irracional,
Satisfeito, o homem com marcas da vítima saiu do quarto,
Com os olhos extáticos e sangue entre lábios,
O anjo tremia descontroladamente sobre a cama desfeita.


Na vã tentativa de canalizar últimas forças,
Agarrou-se a um pequeno crucifixo que carregava sempre consigo,
Balbuciou de maneira disforme alguma prece,
E orou para que o Pai perdoasse a fraqueza e a ingratidão dos seus filhos.


Sangrando entre as pernas e deixando sinais pelo chão,
Com o corpo pesado, caminhou cambaleante pelo quarto,
Chegando até a pia, procurou no armário pelo objeto mais útil no momento,
Lágrimas mesclavam-se com o sangue dos lábios.


A busca finalmente foi finalizada ao descobrir uma pequena lâmina,
Com mãos trêmulas segurou-a firmemente entre os dedos,
Ergueu lentamente o seu pulso,
E cravou com sua última força o frio metal em sua carne.


Era alta madrugada,
O silêncio dominava a paisagem,
Aquele anjo que desceu na Terra em nome da Paz e da verdade entre os homens,
Havia mergulhado seu próprio corpo num mar de rubro lamento.


Foi sepultado numa vala-comum, sem identificação ou orações de partida,
O anjo distraído confundiu a barbárie humana com Amor altruísta,
E assim, com a certeza que a vida é mais árdua do que indicam as aparências,
Voltou para a sua casa, voltou para o seu verdadeiro abrigo...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Grãos Desérticos; Palavras Petrificadas


No mundo das aparências sem rostos,
O Sol está a pino e a boca seca,
Os músculos doem com sofreguidão,
Os olhos cansados desorientam a estrada.


No velho curso das palavras inaudíveis,
Capazes de atravessarem ruas e desviarem de automotores,
Mergulharem na asfixiante poluição da cidade,
Baterem à porta com energia, mas sem poderem adentrar ao destino.


Contrariando a profecia do beato de Belo Monte,
Apesar das orações, o sertão não vai virar mar,
Permanece salivado de areia e desejos desérticos,
Se Conselheiro vivesse aqui, seu legado seria inócuo.


Segue então aquele deserto petrificado,
Como concreto armado, pilares soerguidos na exclusão,
Selados pelas correntes de uma fobia quase disfarçável,
Recitados por uma retórica já calejada sem pouca imaginação.


Entre os dedos sinto cada grão percorrer um vácuo,
Sem que possa impedir sua descarga,
A vã tentativa de fechar as mãos,
Não consegue contar a queda autofágica dos dias de prostração.


Sem deixar ser conduzido pelo imediatismo do senso comum,
Nem contrariando a irradiação torrente das palavras mais árduas,
Galgo cada tijolo de uma imensa muralha,
Abaixo, o deserto à minha espera.


As palavras foram petrificadas e se transformaram em cédulas na hiperinflação,
A corrosão dos sentidos assemelhando-se a desvalorização devastadora da moeda,
Há um deserto de exuberante perplexidade em todo o redor,
A fuga dos grãos é tão inútil quanto o dinheiro sem valor embaixo do colchão.


Dentro do limitado espaço,
Entre os desejos irrequietos de minha alma,
E a realidade seca e quase sem mobilidade,
As palavras ressecam até virarem pedras obstruindo os passos.


Todos os atalhos são bem mais fáceis,
Todas as fugas são bem mais amenizadoras,
Ninguém quer enxergar a areia lentamente subindo pelas pernas,
Não se pode fechar os olhos e fingir que tudo é um imenso mar.


É inútil colocar asfalto sobre a areia,
A cada passo pode representar um abismo,
Intangível, a terra firme é uma necessidade a ser conquistada,
Na ausência das ações, o que é possível de ver é uma mera luz apagada.


No percurso insólito de minhas palavras,
Ecoando voluntariamente pelo deserto,
O frio tenta abater a qualquer um que resiste,
O pouco calor que reside não consegue aquecer os ossos.


Não há fogo; não há água; não há nada,
Tampouco alguma claridade à meia-luz,
Os vendavais apenas modificaram a direção da areia,
O deserto da vida real domina toda a paisagem.

sábado, 19 de julho de 2008

Retalhos de minh´alma


O que faz um homem ser um homem?
Não é o medo de não morrer,
Tampouco a possibilidade de matar,
Ser um homem é acima de tudo um fardo!


Sentado numa mesa de bar,
Um copo à meia cerveja,
Observando a rua e seus folclóricos transeuntes,
A vida rebobinando como numa película de filme.


A dor da ausência e retalhos de um coração,
A dor de não poder tocar na amada,
Cortam os dedos com uma fina gilete,
Sangrando pouco a pouco no meu peito.


Ter e não provar,
Desejar e não conduzir,
Prisioneiro da doçura de vítreos olhos,
Construções de tempestade e ardor na mente.


O que é o Amor senão uma profunda dor?
Rima que se acasala latejante no fundo da alma,
Imersa em pulsação do querer tão longe das minhas mãos,
Seguindo o desejo incontornável de sentir aqueles lábios.


Sexta-feira. Sinal fechado!
Mesas semi-ocupadas e para onde foi escondido aquele sorriso?
Conversas silenciosas ao longe e alguns carros rompendo a monotonia,
Marina Lima no rádio e a dor formigando lentamente.


Do Paraíso ao Inferno sem escalas,
A condução dos passos de tortuosas margens,
Para o deserto interno de nossos anseios,
A vida como fonte de aspereza constante.


O perfume, o calor, os olhos...
Lábios que possuí e agora se encontra eqüidistante,
Caminhos tortuosos e canteiros repletos de espinhos,
Mácula que corrói a sintonia tão necessária.


Desejo o cintilar daqueles olhos como a luz necessita de fótons,
Ardentemente suave e de brilho tênue,
Delicado como a palma das mãos de quem carrega meus devaneios,
Sem palavras, sem oração, sem cordas ou vocais.


O leito do Amor que pulsa atado e inconstante,
De forma espontânea como a leveza do álcool,
Heineken fazendo uma insólita companhia,
Sob o luar da cidade anoitecida.


O homem é aquilo que ele consegue ser,
Limitado, minúsculo e com seus erros,
Erros que não são perdoados,
Açoites penitentes com fragmentos de lâminas perfurantes.


Carregar a cruz que não me pertence,
O calabouço que não me satisfaz,
Aqueles olhos fechados sem permitir um toque de claridade,
E meus olhos cerrados digerindo corrosivamente meus fantasmas.


O copo está lentamente abaixando,
O tempo trafega como marteladas em pregos nas mãos,
Fecho os olhos na tentativa de reluzir vãs lembranças,
Reina no peso da mente um semblante que tanto me fez feliz.


Ser homem não é tão forte como pregam alguns dicionários,
Silêncio no alto da cruz,
Penitencia sem destino,
Passos com os pés acorrentados.


E o álcool querendo galgar à cabeça,
Sorrateiramente como um corte subterrâneo que se aprofunda,
Uma canção que desmonta os mais rijos sentimentos,
O bar tão vazio como o deserto que assola meu peito.


E segue a vida de um homem,
Sempre fadado a correr todos os riscos,
Descendo a qualquer Inferno,
Coragem e medo andando lado a lado.


Os espinhos que adornam uma rosa,
Sangra impiedosamente a palma de minha mão,
Como uma lágrima perdida que teima em não cair,
Um tsunami percorrendo os labirintos da memória.


No coração de São Paulo,
Centro velho de beleza decadente,
Canto minhas impressões movido à xícara de café,
O homem que aqui está é aquele que jamais deixou de acreditar.


A cada Inferno que desço,
A cada veraneio na barca de Caronte me levando às suas profundezas,
Ergo-me com marcas e dores,
Enfim, o Amor se ramifica e eterniza no malogrado coração.



(São Paulo, Avenida Ipiranga, 18.07.08.)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Debaixo do Travesseiro (Subsídios para uma Canção de Amor)



Entre lábios trancados eu só tenho o silêncio,
Frio, distante e polvilhado de ingratidão,
Preso a medos indecifráveis e tangidos a fel,
Cozendo os dias de expectativa exaustão.


Entre a inviolabilidade das palavras,
Guardadas em segredos pelo lacre das pálpebras,
Mais um feriado na atmosfera congelada,
Com tanta parcimônia de sentidos, até o Sol se intimidou em brilhar.


Entre a fuga desmedida impregnada pelos seus pés,
Resta uma perplexidade que inunda meus sentimentos,
Como se a vida fosse um paradoxo vagando num insalubre cassino,
Quem joga nunca ganha; quem ganha jamais leva.


Entre as promessas de alcova e o sumiço da lógica afetiva,
O Amor não é um monocromático vaso decorativo na vida,
Tende ir bem além das aparências e se aprofunda visceralmente na alma,
Será que sua pueril sentimentalidade foi sufocada debaixo do travesseiro?


A vigília da ausência dos dias sem explicação,
A performance inexata dos receios regendo as ações,
O labirinto sensorial que desencanta o sorriso,
A opção voluntária pelo cercamento das dores em formol.


É difícil acreditar que exista algum caminho sem cacos de vidro pontiagudos,
Redobra-se a atenção e se priva de qualquer liberdade,
Fechada em si, o mundo aparenta sempre ser artificialmente mais tranqüilo,
É o Princípio do Prazer regendo o movimento em busca de um falso alívio.


O silêncio continua sua insensata tarefa de afastamento,
Sabotando qualquer possibilidade da troca de vocábulos,
Os fantasmas reinando livremente no arquipélago atormentado,
A perda sempre será sentida pela primeira pessoa do plural.


Inevitavelmente a noite cai num profundo desconforto,
Uma cidade inteira separa minhas mãos dos seus olhos,
Não desejaria tanto se não fosse à vontade de tranqüilizar seus dedos,
Quantas confissões são relatadas no destempero secreto do travesseiro?


Lembro-me de cada noite que velei o seu sono,
Cada leve toque da ponta dos meus dedos na maciez do seu rosto,
Queria ser bem maior do que sou,
Apenas para nunca se sentir desprotegida.


Não grite solitária quando todos já não possam ouvi-la,
Tantos orgulhos nos causaram mais males do que beatitudes,
Caso Deus exista, só peço que Ele possa lhe proteger,
Das minhas falhas, das minhas faltas, dos meus erros.


Da janela uma brisa corrente; Agora faz frio,
E tantas coisas que não posso sequer lhe dizer,
O silêncio da noite só é quebrado por uma canção,
Não acredito em anjos, mas queria ser o seu guardião.


O vazio dos dedos se aprofunda ansiando criar raízes,
Arborescendo numa floresta de mal-estar cristalina,
A vida escrita com um pequeno pedaço de carvão,
Não há versos que exalem a sensação da amplitude do vácuo.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Metástase (A Indiferença dos Sentidos)


"Eu vi a morte,
Lá estava ela; serena, paciente e me esperando com seu largo sorriso",
Escreveu com garranchos diante da calçada onde servia de abrigo,
Um moribundo despossuído como se seu destino já tivesse sido traçado.


Dormia ao relento com barulho estrondeante,
Aquele homem nada tinha além de um par de cães sem pedigree,
Vestes despedaçadas e nenhuma esperança no bolso,
Um colchão velho e mãos trêmulas de dores.


O que ainda restava de dignidade tinha escorrido pelo ralo,
Perdeu o pouco que tinha na vida,
Emprego, trocados, família e amor,
E a violência gratuita das ruas virou seu endereço.


Quantas vezes os homens de cinza não bateram em seus ossos,
Quantas vezes já tentaram expulsá-lo dali,
Mas a rua era o seu lugar,
E nada fazia extrair-lhe qualquer concessão.


Não vendeu sua alma para os alambiques,
Como tantos outros vizinhos trôpegos aderentes ao chão,
Seus fantasmas não eram irrigados com álcool,
Ele não tinha nenhuma alegria ou perspectiva.


Sua simples presença criava um mal-estar aos transeuntes,
Viravam os rostos como se ele fosse um leproso,
Ele nunca mendigou nada naquela sociedade,
Fazia pequenos bicos fluindo minguados trocados.


O mundo era disforme e selvagem,
Sem horizonte, a única certeza era a pacificadora morte,
Mais dias, menos dias, ele sabia o que lhe esperava,
Até surgir uma fria madrugada de inverno.


Ele adormecia envolvido com seus trapos,
Os cães faziam o mesmo em volta do seu dono,
Tudo eram silêncio e sujeira ao seu redor,
A tranqüilidade era apenas miragem.


Alguns homens sorrateiramente carregavam galões de algum líquido,
Espalhou seu conteúdo por toda a volta,
Sem piedade alguma, riscaram um palito de fósforo,
Era possível ouvir incontroláveis gargalhadas e o levante fúnebre das chamas.


Seu corpo em poucos segundos foi tomado,
Seu grito de desespero ecoou pela rude cidade,
Cada centímetro de carne virando brasa,
E os cães uivando de incontrolável desespero.


Ninguém quis ouvir, ninguém saiu de seus ninhos,
Afinal, ele era apenas um fardo de lixo humano,
Quem ligaria para trapos e farrapos?
“Minha vida é a minha vida. Dane-se o outro!”, imperava sempre.


No egocentrismo visceral que alicerça uma cidade,
Os corpos dos cães e seu dono foram consumidos vivos pela indiferença,
A mesma indiferença que não transforma a bestialidade em humano,
A metástase virulenta que abate qualquer forma de liberdade.


No início da manhã seguinte a cidade acordou aliviada do seu intruso indesejável,
O que restou do seu corpo foi levado pelo caminhão de limpeza pública,
Quantos gritos de dor amortecidos pelo concreto?
Ninguém sabe, ninguém ouviu e continuam fechadas tantas portas e janelas.

domingo, 13 de julho de 2008

Silêncio e Dor (Cântico da Indisfarçável Angústia)



Naquela quase desértica ilha do Pacífico,
Encontravam-se duas incógnitas figuras,
Silêncio e Dor eram afetuosamente siameses de pai e mãe falecidos,
Um era dia e a outra era noite.


Cresceram em desencanto e jamais se abraçavam,
A Dor era muito mais espontânea,
O Silêncio sempre foi retraído e indiferente,
Entre eles residia um relacionamento tão ofuscante e retrátil.


Quando a Dor mergulhava,
O Silêncio sempre ficava na areia,
Se a Dor emergia do mar,
O Silêncio retornava ao mar em profusão.


Tais instabilidades custavam-lhes os amigos,
A Dor queria sempre estar próximo,
O Silêncio sempre impunha a distância,
O diálogo era quase invariavelmente inexistente.


Sempre foram figuras polêmicas,
Uns acreditavam que a Dor era melhor do que o Silêncio,
Outros desejavam o Silêncio sem a Dor,
A unanimidade dizia que a união entre o Silêncio e a Dor era trágica.


A Dor sempre esboçava uma esbranquiçada lágrima,
O Silêncio nunca demonstrava sequer um amarelado sorriso,
De dia eram sonoramente incomunicáveis,
De noite reinavam quase eqüidistantes.


A Dor era simples e sem mistério,
O Silêncio era profundo e ao mesmo tempo evasivo,
Ocasionalmente um velho conhecido batia à sua porta,
Era o Medo que conseguia momentaneamente apaziguar o Silêncio e a Dor.


Órfãos, não chegaram a conhecer a família,
O Amor nunca ofertou uma única rosa para nenhum dos dois,
No jardim da Dor havia apenas ramalhetes de mágoas,
Em crises viscerais, o Silêncio era solitário à sua contraparte.

De tanto desejar os encantos enamorados da Morte,
Aquela Paixão bruta, secreta e fulminante,
A Dor adormeceu e caiu com grande enfermidade,
O Silêncio sempre indiferente dessa vez ficou preocupado.


Se a Morte levar a Dor,
O que o Silêncio iria fazer?
Afinal, sem a narcísea Dor, o Silêncio não era nada além de um eco no vazio,
Foi então que o Silêncio entendeu que a Dor era fundamental.


Fustigado e desesperado, o Silêncio procurou ajuda,
O Silêncio desejava resgatar a Dor de qualquer maneira,
Procurou então uma antiga amiga,
Porém a Agonia não suportava a Dor.


Pouco a pouco ficou notório o difícil círculo de afetividade,
A alegria se mostrou avessa a Dor,
Já a Tristeza e o Ódio se mostraram reticentes,
A Dor nunca foi uma grata companhia.


Os dias se passavam e a Dor sofrida continuava intacta,
Em tom de latente aflição e explosão cardíaca,
O Silêncio decidiu procurar o algoz desafeto,
O Amor sempre foi perturbador e generosamente incomodo.


Com o que restava de humildade, o Silêncio recuou o seu temperamento,
Suplicou ao Amor que fosse irradiar seus poderes ocultos,
Extrair sua irmã da moribunda letargia,
O Silêncio sabia que somente o Amor poderia atenuar a Dor.


Apesar dos entreveros do passado, o Amor sempre era digno de compaixão,
Uniu-se momentaneamente ao Silêncio para resgatar a Dor,
Na mesma toada, seguiram no comboio a Angústia e Reparação,
A Dor foi então assistida pelo Amor ao lado do Silêncio.


Transitada algumas horas após a visita do Amor,
Foi possível ver um leve sorriso nos lábios da Dor,
Ao seu lado, o Silêncio segurou suas mãos trêmulas,
E a Dor ainda febril começou a se levantar tateando os móveis do quarto.


Desde então a história começou a ser reescrita,
Uma nova união delineava os limites entre o Silêncio e a Dor,
Porém, a áspera lição enfim foi aprendida,
Sem a presença do Amor, nada é superado na vida.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Anorexia Sentimental



Na terra abrasada pelos dias inglórios sem Sol,
Tudo era sempre uma longa e sôfrega noite,
Nada fazia clarear ou florir alguma pétala,
Nem mesmo uma perdida estrela no firmamento.

Tudo era muito frio e soturno,
O pouco ar permitido era seco e gélido,
Os olhos se tornaram prisioneiros do silêncio,
E nada era dito, pois as palavras foram cassadas.

Os sentimentos foram condenados sumariamente,
Não havia sequer tribunais para o julgo popular,
Apenas uma malta torpe de cruéis executores,
A solitude do cárcere era a impiedosa sentença.

E assim os dias perambulavam lentamente,
Como o profundo vazio de uma praia sem maré,
Como se fossem leprosos, os sonhos sempre deixados em quarentena,
E o pragmatismo visceral regia a batuta das dores.

No cântico urgido em desolação,
Nada era tão forte do que a prostração provocada pelo isolamento,
Uma anorexia dramática dos sentidos e algumas gotas de sangue,
E tudo passa a ser disfarçadamente transcrito debaixo da cama.

Não havia mais desejo ou saciedade,
Apenas vínculos enegrecidos de ruptura e castidade,
Renúncia de toda forma de Amor sensorial,
Medos e fantasmas velejando calmamente pelo inconsciente.

A saudade permanece atávica e gritante,
No abrigo calado do quarto sem iluminação,
Dedos entreabertos deslizando grãos de areia,
Tudo corre disfarçado por um pasteurizado sorriso.

A história atada pelos laços da apatia atirada às chamas,
Que teima em não fenecer em lugares-comuns acinzentados,
No lombo da carne, carrega o fardo de uma ciclotimia temporal,
E os momentos seguem calejados na estrada rachada de tanta secura.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Muralhas


Na angústia das horas tangidas,
Sob o vapor do leito onde seu corpo repousa,
O que urge na atmosfera prostrada do seu sono?
O que inquieta a ambivalência sensorial de sua mente?


Na desordem arbitrária dos seus anseios aturdidos,
No jazigo solitário de seus transgredidos medos,
Dores sucumbidas pela implosão dos sentidos,
Transformar o silêncio numa estrada minada de lamentos explosivos.


Todas as baionetas levantadas do chão,
Todos os soldados de prontidão,
Entoa-se ao longe o canto de guerra,
Se armando solenemente contra minhas mãos atadas.


E segue a blindagem imposta ao coração,
Um sorriso plástico e frágil como disfarce,
As pontes são erguidas e soldados em vigília,
O castelo bloqueado contra qualquer invasão.


Os sentimentos são amordaçados e colocados na fria masmorra,
O Amor sufocado esperando a decapitação,
O silêncio imposto sob a forma de penitência,
Todos os caminhos dinamitados e as trilhas semi-apagadas.


Os lábios cerrados limitam aos ritos de sobrevivência,
Na batalha fratricida sem vencedores,
A claridade tomada pelo manto de trevas,
E os olhos perdidos no meio da tempestade.


Muralhas soerguidas contra o toque dos meus dedos,
Reina o corpo tomado em chamas e querelas adiabáticas,
A sonoridade de sua alma seqüestrada diante da tormenta,
O seu lago é um estacionamento de porta-aviões com artilharia antimísseis.


Na fortaleza dos sentimentos fechados,
Calejam minhas mãos cansadas de tanto bater à porta,
Guardas imperiais recebendo ordens imperativas,
E em carne-viva permanecem meus dedos.


Nas muralhas alicerçadas de auto-suficiência,
Seu exército apontando todas as armas,
Desarmado, busco a sobrevida extática,
Ao longe, estático com uma pálida rosa na mão e um triste olhar.


Na necessidade de romper suas fronteiras,
Sigo na luta contra todas as intempéries impossíveis,
Não existe mais diferenciação entre dor e sangue,
Em busca de uma palavra que atinja aos seus instáveis ouvidos.


Todas as guerras alienadas são inúteis,
Todo o silêncio é desagregadoramente mortal,
Quando lutamos contra a intimidade dos sentimentos,
A vida escorre tão seca, insípida e vazia.