segunda-feira, 21 de julho de 2008

Grãos Desérticos; Palavras Petrificadas


No mundo das aparências sem rostos,
O Sol está a pino e a boca seca,
Os músculos doem com sofreguidão,
Os olhos cansados desorientam a estrada.


No velho curso das palavras inaudíveis,
Capazes de atravessarem ruas e desviarem de automotores,
Mergulharem na asfixiante poluição da cidade,
Baterem à porta com energia, mas sem poderem adentrar ao destino.


Contrariando a profecia do beato de Belo Monte,
Apesar das orações, o sertão não vai virar mar,
Permanece salivado de areia e desejos desérticos,
Se Conselheiro vivesse aqui, seu legado seria inócuo.


Segue então aquele deserto petrificado,
Como concreto armado, pilares soerguidos na exclusão,
Selados pelas correntes de uma fobia quase disfarçável,
Recitados por uma retórica já calejada sem pouca imaginação.


Entre os dedos sinto cada grão percorrer um vácuo,
Sem que possa impedir sua descarga,
A vã tentativa de fechar as mãos,
Não consegue contar a queda autofágica dos dias de prostração.


Sem deixar ser conduzido pelo imediatismo do senso comum,
Nem contrariando a irradiação torrente das palavras mais árduas,
Galgo cada tijolo de uma imensa muralha,
Abaixo, o deserto à minha espera.


As palavras foram petrificadas e se transformaram em cédulas na hiperinflação,
A corrosão dos sentidos assemelhando-se a desvalorização devastadora da moeda,
Há um deserto de exuberante perplexidade em todo o redor,
A fuga dos grãos é tão inútil quanto o dinheiro sem valor embaixo do colchão.


Dentro do limitado espaço,
Entre os desejos irrequietos de minha alma,
E a realidade seca e quase sem mobilidade,
As palavras ressecam até virarem pedras obstruindo os passos.


Todos os atalhos são bem mais fáceis,
Todas as fugas são bem mais amenizadoras,
Ninguém quer enxergar a areia lentamente subindo pelas pernas,
Não se pode fechar os olhos e fingir que tudo é um imenso mar.


É inútil colocar asfalto sobre a areia,
A cada passo pode representar um abismo,
Intangível, a terra firme é uma necessidade a ser conquistada,
Na ausência das ações, o que é possível de ver é uma mera luz apagada.


No percurso insólito de minhas palavras,
Ecoando voluntariamente pelo deserto,
O frio tenta abater a qualquer um que resiste,
O pouco calor que reside não consegue aquecer os ossos.


Não há fogo; não há água; não há nada,
Tampouco alguma claridade à meia-luz,
Os vendavais apenas modificaram a direção da areia,
O deserto da vida real domina toda a paisagem.

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