quinta-feira, 24 de julho de 2008

Primeira Infância


Quando era dono do meu mundo,
Sabia tanto da vida quanto a profundidade de um pires,
Minha rua era um deserto e ninguém para brincar,
A solidão até que virou uma boa amiga.


Minha avó era um tanto estranha e avessa às pessoas,
Meu pai sempre foi quase transparente,
Minha mãe era mais terna e doce,
Já a Nena nunca aprendeu a jogar futebol!


De tantos poucos recursos,
O meu reino era o quintal de casa,
Tinha uma gata sem nome que logo me abandonou,
Acho que não tive muita sorte com gente e animais!


Minhas primeiras letras vieram da paciência de minha mãe,
Como detestava aquele livro de capa branca e páginas a quatro cores!
Decorar, soletrar, escrever... Se eu bobeasse, surgia um bom cascudo!
Com foi um fardo os primeiros passos nesta tal alfabetização!


Aqueles dias pareciam serem eternos... É só pareciam!
Achava que tudo era para sempre, eterno e assim tudo iria nunca terminar,
Raramente ia a algum parque e às vezes visitava minha madrinha,
Contentava-me com os pequenos brinquedos espalhados pela casa.


Quando a televisão surgiu como a grandiosa atração da casa,
Não desgrudava meus olhos naquela tela em preto e branco,
Ainda lembro das caretas sem graça daquele palhaço descolorido,
Bozo?... Sinais dos tempos! (Tempo em que o único medo real era a Cuca!).


Naquele mundo tudo era sereno e tranqüilo,
Às vezes, sozinho no quintal, a tranqüilidade me entediava,
Mas não era nada fácil sentir que minha irmã e eu,
Éramos as únicas crianças daquela rua.


Como lidar com aquela solidão que nem ao menos sabia bem o que era?
Preso, o portão separava meu mundo do outro mundo que não conhecia,
Se bem que eu nunca achava que o outro mundo seria maior do que o meu quintal,
Só um pouco mais tarde, descobri que eu estava ligeiramente equivocado!


Era um menino que poderia ser considerado bem comportado,
Queria atear fogo na cozinha com os fósforos... Aventura logo frustrada!
Quase perdi meu dedo indicador esquerdo ensangüentado com uma machadinha,
Às vezes, tinha meus próprios métodos terroristas e suicidas que qualquer menino tem... Ou não tem?


Gostava de ficar próximo ao muro,
Olhando a paisagem... Monotonamente aquela paisagem,
O entardecer era sempre presente como uma fotografia 3x4 inesquecível na retina,
Era brincar, estudar, dormir... As pequenas grandes invariáveis regras do meu vasto cotidiano.


Minha primeira infância era tão dinâmica quanto uma partida de dominó,
Era importante ser um pouco mais criativo para vencer os desafios do insólito mundo do tamanho daquele quintal,
O caminho não era nada suave...
E guardava nas minhas pequenas mãos uma vontade atávica de me livrar daquela bendita cartilha!


O que queria mesmo era entender o mundo,
O que havia lá fora?... Logo depois do portão?
Só mais tarde que comecei a conhecer o tal mundo,
E daí ficou com uma grande indagação: seria bem melhor ter ficado dentro ou fora daquele portão?


Quando a vida é uma criança tudo é bem mais previsível,
Sem guardar traumas, mas com poucas dúvidas,
Naquele momento, era um menino que achava que conhecia quase tudo,
O quintal era um mundo onde eu tinha certeza que podia confiar.


Não tive grandes perdas, tampouco grandes ganhos...
Incluindo alguns doces nos momentos de rara afetividade de minha avó,
A vida seguia sempre seca, simples e saudosa,
No quintal, vivíamos todos contentes: meus brinquedos, a solidão e eu.

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