quarta-feira, 23 de julho de 2008

Mensagem para os Olhos da Amada


O Amor não corta; dilacera,
Transforma tudo o que acreditamos ter rédeas,
Assusta a soberania do próprio ego,
Derruba os blocos das grandes minúsculas certezas.


O Amor é uma carta sem data de postagem,
Com ou sem greve de carteiro,
Chegará de alguma forma ao destinatário,
Que baterá os olhos de alguma maneira no seu conteúdo.


O Amor é um vírus,
E potencialmente pode contaminar a todos,
Exceto os que colecionam feridas internas parindo anticorpos,
No limite, nada resiste à autofagia da essência.


O Amor não é uma mentira vulgar,
Também não é uma verdade pétrea,
É um estado de latência entre a cessão e a doação,
Não tem portas fechadas, mas continua uma chave anexa à fechada.


O Amor não é pasto,
Não pode ser ingênuo ou casto,
Não se nutre de amargura ou rancor,
Dos dias inglórios onde tudo sai errado.


O Amor não esgota tão facilmente a paciência,
E tranquilamente perturbador e adocicado,
Suporta alguns açoites e palavras ingratas,
Pequenas injustiças engolidas a seco.


O Amor não é uma mera dádiva,
Como se tudo despencasse do céu,
É sempre necessária uma contrapartida,
Onde a fuga inconsciente não macule a simplicidade das ações.


O Amor não é esconderijo,
Não é o abrigo insensato dos equívocos,
Um estado de situações plausíveis e atenuador de conflitos,
Minimiza muitas dores no tabuleiro da insensatez.


O Amor é manter os olhos despertos à noite velando o sono de criança,
É se deixar passar levemente a mão no cabelo,
Sorrir brilhando o coração e acenando com a mão,
É ter o outro coração em sangue não-coagulado na dor da insólita despedida.


O Amor não é ponto final,
É o mais sublime caminho,
Não pede carona ou cobra taxa de embarque,
É o guia de bordo que delineia o curso de uma estrada.


O Amor não precisa tridente ou batida do telefone na cara,
Não precisa fingir com altivez que não sente dor,
Desnecessário articular palavras desagregadoras e cruéis,
É soltar os grilhões de metal que cerceia a vida.


O Amor como ato imperativo,
Não é verbo; é puro desejo,
Pulsa intranqüilo à noite,
Só acalma apenas após um breve olhar.


O Amor que remói de saudade e chama pelo seu nome,
Seja no deserto gelado ou numa floresta de densa vegetação,
E trancada a sete chaves dentro de um armário protegido por longas muralhas,
Não há a entrega tão necessária para a condução do simples prazer.


O Amor não é um mero joguete de palavras fáceis,
Amar pode-se dialogar até mesmo no escuro,
Não há baú que possa trancafiar,
A estrada irregular dos mecanismos sensoriais do Amor.


O Amor, sobretudo é coragem,
Arregaçar as mangas e ir para o campo de batalha,
Não contar corpos ou fazer pilhagens na terra dos vencidos,
E estar ao lado e não deserdar do seu posto.


Amar é não ter medo de pára-quedas,
É pegar na mão e saltar de coração aberto,
Longe de preconceitos tolos, jargões e lugares-comuns,
Deixar os olhos percorrerem um pouco mais além do jardim da própria casa.


O ódio rasga a carne,
O Amor coagula imperfeições,
No berço, uma pequena alma chora,
A mãe voluntariamente dá o peito.


O ato de amar e se privar do ego,
Não cair na tentação de observar apenas a cor do umbigo,
É sempre dar um passo adiante,
Libertar-se de si na condição do outro.


O medo não pode ser maior do que o Amor,
Receios e tempestades não devoram sua chama,
O soturno grito de angústia será ouvido,
Mesmo que o silêncio encarcere os lábios.


O tempo que malogra os caminhos do Amor,
Dias de Sol, dias de chuva, feriados e finais de semana,
Ronda na atmosfera a imaginação que povoa a mente,
Lábios petrificados de tanto desejar um único semblante.


Aqueles olhos perdidos no horizonte,
Com insegurança nas pontas dos dedos,
Criando falsas convicções para o coração,
O Amor não devora a alma, apenas se banha com tranqüilidade.


Não é Amor aquelas fobias tão atávicas,
Os fantasmas rondando o presente,
O lacre inviolável da caixa de Pandora,
Não amar é a autopunição como falsa retórica de liberdade.


Quando se pega a estrada para enfrentar a obrigatoriedade do ofício,
E olha para trás com o desejo de viver sempre um pouco mais,
Apenas para rever o filho, apenas para rever quem se ama,
Só um dia a mais é pedido todos os dias.


Lembre-se que a vida é um trem trafegando numa via férrea breve e limitada,
Quando ocorrem, os reais amores são tão raros e profundos,
Depositar no casual sexo banal e aleatório a ilusão que a superficialidade ter algum valor
É confundir fútil contabilidade com raridade sentimental.


No Amor não há espaço para auto-suficiências e egoísmos solitários,
Como se cada ser fosse uma ilha situada num vasto arquipélago,
Guardada em si, dentro de castelos e gigantes portas de ferro,
Com o receio de se abrir os labirintos da alcova e se privar de suposta liberdade.


Não amar pelo que não é,
Não amar pelo que não possa vier a ser,
Amar verdadeiramente o que é fato,
Amar simplesmente, amar você!

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