Espaço dedicado à análise, reflexão e crítica dos enlaces, desarranjos e autofagias do homem (i)material e o desencanto do mundo contemporâneo.
quarta-feira, 25 de julho de 2007
Auschwitz paradisíaco
Sete e meia de uma fria manhã,
Numa estação ferroviária deserta parindo seres erráticos,
Olhos penetrantes diante dos ponteiros do relógio,
À hora estática que nunca finda...
Alguns risos ao longe como chacais à espreita em busca do desjejum,
Poucas lojas abertas, outras aparentam que nunca se abrirão,
No anteparo da memória reluta uma única questão:
Onde está você agora que nunca vem?
A boca seca de uma áspera mágoa,
Ouço apenas passos pouco cadenciados de meus próprios pés,
Imerso num silêncio quase absoluto
É a própria antevéspera de Auschwitz...
A enegrecida paisagem é coberta por uma brisa gélida,
Como anseio prosear com Mefisto!
Mas pensando bem,
Ainda não aterrissei no Inferno com poderia esperar,
Auto-exílio num Purgatório irracional?...
Que bela paisagem do século XXI!...
As constrições do Amor são querelas precedentes do limbo,
A liquidez das relações voláteis pós-modernas,
A futilidade do sentimentalismo barato sem auto-suficiência,
A carne assexualizada subtraindo o espaço do espírito,
O desejo assimétrico do bem-estar virulentamente materialista,
O temor de um lânguido olhar penetrante,
A paixão que escorreu entre meus dedos,
E senti paulatinamente perder sua alma numa batalha subterrânea.
Beijei a cruz esperando proteção,
Queimei meus lábios em vão.
Numa cruzada contra moinhos de ventos sem as sutilezas de Quixote,
Mundo-mercado onde quase todos são medidos pelo valor do capital,
Todos os arcanjos desviaram do meu rumo,
Não... Não há importância, quero crer!
Antes ser um pária sem glória
Ao loteamento das mãos pela sedução da covardia,
Toda inocência perdeu laconicamente o ledo encanto,
Não é difícil percorrer os labirintos que desbocam em Auschwitz.
Trens chegam e partem com um morno ritmo,
Na encruzilhada do (in)consciente,
A única certeza intermitente,
O estiolamento da alma sem consolo à vista
E os dedos calejados de palavras à deriva...
Uma canção ressoa no instante da transposição das letras:
“Je t´aime avec ma peau”.
Agora, silenciados e caídos ao chão, na vitória dos medos e abutres,
Ninguém mais versejará uma única estrofe aos teus olhos,
Sua ingenuidade pavimentou com sal toda possibilidade de conquista,
Enfim, respiramos os lázaros ares de Zyklon...
Oh! Quanta vida se perde ao longo do caminho!
E, novamente, a história se repete,
Mais um retrato a se guardar.
Observo minhas mãos e meu caderno de anotações...
A primeira é de uma vazia brancura
E o segundo povoado de inúteis rabiscos.
Meu Paraíso possui a fértil alegria
Dos campos plúmbeos de Auschwitz.
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