sábado, 21 de julho de 2007

Uma leitura de Fausto


“Os portais das trevas estão abertos e as sombras da morte invadem a Terra.” (“FAUSTO”, direção de Murnau Libreto e Hans Kyser, 1923, p&b, capítulo 1)


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Nada melhor do que ler e reler os clássicos, já dizia um velho professor. Reporto-me aqui ao clássico de Johann Wolfgang von GOETHE, na sua obra magistral alemã, "FAUSTO". Tomarei como base o filme de Murnau Libreto e Hans Kyser (1923) em preto e branco do rústico delinear de atores e cenários com uma brutal expressividade de cenas e gestos típicos do impressionismo alemão.

A obra inicia-se com o diálogo de Deus e o Demônio, ou seja, Mefisto, o Lorde do Inferno. Mefisto deseja ser o soberano da Terra e aposta com Deus a alma de Fausto, um bom e honesto ancião e místico de uma cidadela minúscula na Terra. “Quer apostar que conseguirei a alma de Fausto na frente de Deus?”, pergunta Mefisto desafiando o Todo Poderoso. Logo, Deus desafia: “Se destruir o que existe de divino em Fausto, a Terra será sua!”.

Feito a aposta, Mefisto atira na cidade onde reside Fausto e toda a peste negra que invade os lares. Aos poucos, uma legião de mortos ronda a cidade e Fausto nada pode fazer para cessar a onde de cadáveres putrefatos. Todos os esforços do ancião tornam-se inúteis diante de tal profusão de chagas e o desespero abate Fausto. O temor de morte e medo domina a cidade. Orações sem fim não diminuíam a tragédia. O diabólico manto de Mefisto fica planando sobre os céus da cidade. Desesperado na sua sala entalada de livros bolorentos, Fausto descrente a Deus e renuncia a fé divina, encontra um velho livro de magia onde se podia ler: “Se você adorar o Senhor das Trevas, terá poder e glória para dominar o mundo.” Diante das circunstâncias, Fausto invoca Mefisto no maior erro da sua vida: ”Mefisto apareça!”, ordena Fausto. De prontidão, Fausto desce as catacumbas do inverno e de lá sela com sangue seu maldito pacto com Mefisto: trocar a sua alma pelos desígnios maléficos do demônio. Logo, o maior e mais tétrico dos pactos é selado, a liberdade pela escravidão da alma: “Renuncio a Deus e terei poder e glória no mundo!”, recita Fausto ao demônio. Mas o demônio jamais é um jogador honesto e compactua com Fausto apenas um único dia para “experimentar” e, somente ele, Fausto, que poderia solicitar a ampliação do prazo do pacto. Fausto sedento de poder aceita o pacto e começa a fazer seus milagres curando vidas pela cidade e semeando glórias. O demônio sorri contemplativamente a espera do momento oportuno para ganhar de vez a alma de Fausto. A glória do milagreiro ecoa na cidade, porém ao olhar diante de um crucifixo de um dos enfermos, a imagem de Deus, fez cessar seus poderes diabolicamente mágicos. Indignado com a mentira do demônio, Fausto tenta o suicídio, mas que é impedido por Mefisto. “A morte liberta o homem. Ainda você tem o resto do dia: é o nosso contrato!”, cobra o demônio. Agora, como parte do seu plano, Mefisto propõem a Fausto a juventude eterna e a felicidade suprema. Fausto não hesita em aceitar: “Dê-me a juventude!”, ordena Fausto para Mefisto e o envelhecido corpo de típico ancião se transforma num viril jovem. Para atiçar seus desejos, o demônio ainda lhe mostra uma linda jovem semi-nua para encantar todos os deleites do seu servo. Sobrevoando a cidade, Mefisto leva o viril Fausto de encontro da rica e bela donzela e seu palácio exuberante. O demônio se encarrega de transforma o simplório Fausto, em um grande marajá o qual adentra o castelo com seus elefantes gigantes e roupas cravadas de jóias. Para roubar a donzela, o demônio assassina seu marido e toda a culpa recai sobre os ombros de Fausto. Perseguido, o momento da “experiência” havia chegado ao fim e Fausto retorna a sua antiga condição de um ancião. Sem tardar e ansioso para continuar sempre jovem, o ancião Fausto renova seu pacto com o Mefisto. Agora sua alma eternamente será do Senhor das Trevas, além da jovialidade que o demônio havia prometido e seus serviços demoníacos. Ainda, Mefisto satisfaz Fausto com muito dinheiro, delírios, luxúrias, riquezas, mulheres e orgias.



Passado alguns dias, Fausto se entendia com todos os deleites que o demônio havia lhe ofertado. Andando pelas ruas da cidade, encontra uma bela jovem, Gretchen, a qual se apaixona imediatamente. Perdido de amor, Fausto não mede sacrifícios para conquistar o coração de Gretchen. Suplica à Mefisto para que o ajude nesta empreitada. Como parte do seu maligno plano, Mefisto entrega a jovem donzela uma bela corrente demoníaca a qual passa a usá-la como sendo o presente de Fausto. A partir deste momento, a vida da jovem está traçada para o abismo. Gretchen, apaixona-se por Fausto e na medida em que este amor se intensifica, amplia-se a desgraça de morte entre seus entes queridos. Sua mãe falece e em duelo provocado por Mefisto, entre Fausto e o irmão de Gretchen, o demônio mata o irmão da jovem e toda a cidade começa a perseguir o suposto assassino. Fausto foge e numa cidade muito conservadora, a “impura” Gretchen é também perseguida pelo seu “assassino amante”. Moribunda, humilhada, sozinha e vagando erraticamente pela cidade, Gretchen, sentia em seus braços o filho gerado com Fausto morrer de fome. Enganado pelo demônio, o absorto Fausto descobre da dor de sua amada e se rebela contra seu monstruoso criador. Condenada à fogueira pela morte do filho, Fausto busca em vão ajudar Gretchen. O demônio se regurgita em sonoras risadas assistindo contemplativamente o drama infinito de Fausto. Ao ver Gretchen na fogueira para ser queimada viva, corre para salvação em sua direção, mas o caprichoso demônio lembra que o prazo final acabou e alma de Fausto não mais servira aos seus propósitos. O jovial Fausto retoma a condição de ancião no exato instante que Gretchen é incinerada com o fogo cravando sua doce e frágil carne. Sem forças e em profundo desespero, Fausto atira-se na fogueira em nome do seu amor máximo. Era o fim do pacto com o demônio: Fausto havia dado a sua alma, e agora, a sua vida e seu amor, em troca dos prazeres lisérgicos do demônio.


Antes das cinzas abaixarem, o ardiloso Mefisto sobe aos céus procurando Deus a fim cobrar os louros da aposta: afinal, Fausto havia vendido sua alma ao demônio. Mas Deus, com sua suprema sabedoria, alerta ao demônio que Fausto apesar de ter vendido sua alma do Senhor de Todo Mal, se sacrificou com a vida em nome de sua amada. O diabo perdera a aposta e Deus sentencia seu veredicto final: “Qual a palavra que acaba com a dor e sofrimento?”, em voz firme e baixa pergunta ao indignado diabo: “Esta palavra é Liebe (Amor, em alemão)!”.

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