sexta-feira, 20 de julho de 2007

Entre destruir e criar: a dialética do labirinto humano.

Uma das questões que mais perturba ao sincero escritor é aquela que se refere sobre a ação da escrita quando o público receia ouvir a verbalização impregnada na pele através das palavras. Talvez seja essa uma das tarefas mais hercúleas para um escritor que procura ser fiel ao seu leitor e ao mesmo tempo não cortejar a levianidade.

O que dizer quando tudo ao redor parece um labirinto semelhante aos atos fratricida da Faixa de Gaza? Quando as pessoas acreditam que é muito mais fácil jogar a toalha ao invés de fazer dela um manto sagrado que conduza à uma elevação do espiríto. Por que acreditamos muito mais nos atalhos equivocados em detrimento da labuta de um percurso mais extenso? Atalhos são muito mais rápidos, imediato e não requer muita paciência. Qualquer caminho que extenda em algumas léguas de suor já conduz seu imediatista pedestre à desistência.

Destruir sempre foi um caminho muito mais fácil. Derrubaram desde castelos de areia às construções sentimentais. Destruir é muito mais tentador, não requer muita prática e qualquer amador já pode ir praticando suas ações somente com rápidas folheadas dos primeiros capítulos. Nesse aspecto deletério das forças destrutivas, não há um horizonte que careça de maiores cuidados. Na distruição nada criadora, o espetáculo reside na mera desmoralização do padrão vigente. Podemos destruir sonhos de uma vida na fração de segundos, na pólvora seca do gatilho ou salivar a amargura de uma história que não deveria chegar ao fim. As destruições volutárias beiram muita vezes ao exercício pouco afável da autofagia. No submundo das emoções mais intangíveis, não existe uma clarividência entre o certo e o errado, e por conseguinte, atos destrutivos são condicionados a meros reflexos inadivertidos do inconsciente. A destruição começa a partir de pequenos sobressaltos e desemboca num irreversível dilúvio. A arquitetura da destruição é a matriz estética de Mefisto e seus asseclas.

Já a arte de construir é uma tarefa confinada a poucos. Deveria ser mais otimista tal passagem mas o mundo da chamada pós-modernidade não permite que o imediatismo avassalador perca tempo com uma articulação de argamassa e tijolos. Criar é uma exaltação à paciência. A tarefa da construção requer maturidade, vontade, suor e algumas gotas de lágrimas. Construir também não está imune a abalos sísmicos. Quando fragiliza sua base, a construção deve ter seu recomeço e suas fissuras devem ser sublimadas. A construção não premia a pretensão da impaciência, mas a tenacidade dos que destilam o silêncio do trabalho. Construir não é tarefa para amadores e tampouco de curiosos. Quem constrói melhora sua auto-estima, antecipa e minimiza dissabores e, pode ir além, sedimentar um horizonte muito mais receptivo às novas possibilidades humanas. A construção agrega valores nobres cuja riqueza não está retida na mera esfera mercantil, mas inseridas na concepção humanística de cada pessoa. Construir não precisa de regras tão requintadas. Ao contrário do que se possa pensar, a construção pode ser iniciada de forma muito simples, transparente e comunicativa. A articulação solidária entre campos diversos de conhecimento e comportamento faz com que a construção seja um elemento essencialmente multilateral. Construir conduz sempre um acréscimo positivo na alma.

A destruíção é muito mais tentadora, atraente e dissimulada. Existe um limite tênue entre a criação e a sua aniquilação. Uma folha de papel em branco pode ser tornar um belo poema ou uma decreto que autoriza a eclosão de uma bomba atômica. No silêncio do diálogo de surdos, quando se acredita que nada pode melhorar ou esta em uma condição superior que a anterior é um momento de desapego à vida. Olhar o destino atráves do retrovisor é sempre uma tarefa inglória, um sentimento de nostalgia do futuro e um medo de replicação do passado. Em tempos de surdez coletiva, cabe ao escritor fazer lembrar ao seu leitor que o túnel é muito mais profundo. Fugir da realidade é passível de aprisionamento existencial sem retorno. Podemos ainda, com muito otimismo, nos abrigar em um consolo: a luz sempre vence o delírio das trevas. Um simples feixe já pode criar uma grande iluminação. Acreditar que o mundo não é merecedor de cores é o mesmo que o refúgio repentino pouco acolhedor das acomodações amentrontadas debaixo da cama. Nas profundezas do labirinto tem muitas passagens, portas e alçapões. Acreditar que é possível transformar trevas em alegrias e sorrisos. Portanto, residente então o limite sutil entre o martírio destrutivo e a redenção da liberdade da vida.

Assim como ocorre em algum momento da existência, mudamos o rumo de uma trajetória com algumas atitudes que permitem seguir um caminho ou outro. E cada caminho pode levar à uma criação de um novo horizonte ou o apagar precoce de uma história que jamais irá ser registrada. Criar e destruir são irmãs siamesas que rondam sempre nossos passos de forma geralmente sutil, mas implacável. A opção por uma trilha longínqua ou atalho fácil não reside apenas numa atmosfera de pretensões imediatista. Cada escolha pode levar (ou não) a momentos de criação ou desembocar na sua contraparte, a destruição.

Criar e destruir não são apenas meras conjecturas ambivalentes da vida. Consiste simplesmente na condução pouco trivial entre soerguer das trevas em busca da luz ou o desabamento fecundo da indiferença existencial. Quando nos escondemos da vida nenhuma atitude é inocente ou indolor. No sepulcro labirinto da vida, caminhos e sinais mediam trajetórias e histórias de liberdade ou calafrio. A Criação e a destruição são acontecimentos simultâneos e díspares: quando uma começa a outra termina. E por fim, criar e destruir, basta começar...

Nenhum comentário: