quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Impertinências do real


Tarda o dia,
E dura pouco mais que algumas horas.
Tarda a hora,
E se alonga pouco mais de alguns minutos.
Tarda a espera,
E se estende muito além de uma incerteza atroz.

Todas as palavras soltas,
Polvilhadas pela calçada,
Caminham inexoravelmente para um dilúvio.
Todas as sílabas fonéticas,
Migram para um imaginário de opressão.
Quanto resta a se feito e refeito para serem colados os dedos novamente?
Quando todas as ações são negadas,
E os paradigmas ainda fincam seus desígnios.
Tantos símbolos sinalizando as rotas erráticas.

Um olhar introspectivo esfacela o destempero do cotidiano,
Ânsia da descoberta solta pelos corredores do pensamento.
Tempo que se prolonga evasivamente como molas soltas,
Uma matemática frustrante resulta na divisão dos lábios,
Querelas hostis ao sabor do cálice dos condenados.
Abraço os dias como parafina se aproximando da chama,
A música soa tão estridente quanto à miragem dos seus pés.


Hoje a razão partiu do meu peito,
A bússola se perdeu imerso num leito de indagações,
Indefeso contra as insanidades tão ternas da paixão,
Conduzo meu lápis pressionando a grafite no papel.
Cada dia da semana transcende a cada passo incerto com lentidão indesejada.
Engano meu relógio dizendo que logo vem àqueles olhos,
Mesmo estático, almoçado em locais de grande movimento,
Segue a rotina de desenraizar memórias e delinear alguns versos.


De um lado para outro,

Nenhum semblante é igual ao seu,

Na cadência da saudade,

Transeuntes pelejam ao sabor da rotina,

Lábios e mais lábios que não se parecem com aqueles que tanto alvejo,

O perfume que embriagava não mais exala de sua fonte,
As impertinências agonizam as dores mais profundas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

As ilusões do sótão


Ainda gostaria que soubesse que nunca podemos nos esconder atrás do silêncio,
Gostaria ainda que a verdade fosse uma simples nostalgia moribunda,
Um breve artifício para sobreviver os pés atados ao pântano,
O ar exalado não fosse causar uma dor maior no interior da muralha.

Talvez a vida ficasse mais fácil quando acreditamos na inútil fuga de nós mesmo,
Como se fosse possível abrir a porta do sótão e atirar todas as angústias perfazendo uma montanha imaginária de dilemas,
E após acumular todas as coisas que nos fazem penar,
Bater a porta com tamanha força com o desejo quase intangível de cessar a pulsante dor.

Um fôlego de alívio... Dura tão pouco tempo a ilusão!
Uma vez é conferido se a porta está trancada,
Confere outra vez para que se tenha certeza que tudo lá está confinado,
O sótão é o campo de concentração para indeléveis pesadelos.

Incinerar o passado como se postasse uma carta com endereço errado para nunca chegar ao destino.
A dor que traz consigo e os dilemas presentes na conversa ao espelho,
Quantos não dariam o sangue para livrar das lágrimas destiladas na escuridão?
Ninguém compreende a dor alheia quando não é sentida vorazmente na própria derme.

Andar passo a passo pelos corredores sem chegar a algum lugar conhecido,
Levantar da cama compartilhada de um frio vazio e observar os ponteiros do relógio,
A noite não finda e a cabeça gira como um liquidificador movido à energia do dilúvio.
A janela pouco tem a dizer quando se cala os adiabáticos lábios em constrição.

O calendário é o inimigo diário tão costumeiro das veleidades de nossos pecados.
Preto e branco ou colorido? Os dias passam invariavelmente quase sempre desbotados.
Um quadro na parede, um pequeno colar postado na carteira ou uma imagem eletrônica,
Tudo oprime na debruçada espera extática da eclosão do aturdido milagre.

A madrugada impertinente é o lugar mais próximo entre a saudade e a expectativa.
A cada giro da chave ao abrir a porta se transforma num anseio implacável guardado dentro de casa.
Tanta vontade de encontrar aqueles olhos com um sorriso brilhante à espera do regresso...
Abre-se a porta e nada se revela, exceto mais um dia de espera exaurida.

Um cálice na mão e uma bebida qualquer com alguns cubos de gelo,
Com um coração diminuído, diante do sótão e sentado ao chão,
Algumas canções bem conhecidas de uma história comum são desatadas ecoando pelos cômodos,
Quais as palavras a serem ditas quando o inexorável domina a realidade?

Quanto tempo resta quando é tão grande a mesa rodeada de pratos e talheres vazios?
O sabor de cada alimento se esvai com o calor de algumas miragens,
Ainda na observância do relógio assistindo a hora deslizar sem paradeiro,
Já é noite ou dia? Nada corre sem a aspereza da saudade confinada.

A presença do olhar tão atado aos velhos costumes de impossível esquecimento,
Nunca é substituída por nenhum chão úmido e embriaguez passageira,
Tudo poderia ser tão fácil se o sótão confinasse o que fosse possível encarcerar,
Tanta ilusão é revivida quando a vida cede espaço para quem busca abrigo na ausência.

sábado, 24 de novembro de 2007

A tempestade


O que embala seus instintos nutridos de desapego,
Quando seus passos se refugiam longe do meu olhar?
Hoje está frio lá fora e por que não vem se aquecer
Envolta do meu abraço tão acalentador?

Ouça o barulho da chuva caindo sobre o telhado,
Trovões cruzando os céus apoiando-se em relâmpagos cortando clarões.
Não se iluda com as facilidades da falsa liberdade momentânea,
Lá fora não será o refúgio seguro para sua disparada.

Por que agora não mais segura as minhas mãos?
Tantas carícias trocadas na lâmina perfeita entre minha epiderme e seu corpo.
O que afasta seus olhos da imensa verdade latejada em pequenas lâmpadas multicoloridas,
A chuva trazida pela ventania deixará toda suas vestes tão encharcadas.

Seus olhos tão belos que tanta falta me fazem agora,
Parecem poucos desejosos de abrir-se para a verdade do seu coração.
Não saia de casa sem levar um guarda-chuva e uma roupa de frio,
Lá fora os ventos não respeitam aos que não acreditam na força de sua devassidão.

Não ouço o salto dos seus pés trilhando um rastro no apartamento,
Aquela sinfonia tão alegre de se ouvir no desbotar de cada manhã em comunhão.
A tempestade está levando todos nossos sonhos de vida em sintonia,
Será dispendioso o preço da rotina selado em nosso indecifrável isolamento.

Tanto amor guardado na ponta dos lábios secos a espera de sua saliva,
E aquele seu corpo sempre ansioso para ser amado a cada encontro.
Não é apenas um caminho que separa nossas vidas diante do temporal,
É uma história de desejos incontidos que molham nossos rostos.

Cuidado, lá fora os abutres rondam sequiosos para usurparem a seiva de suas vítimas,
Não permita que a felicidade tão ardida entre os dedos seja despejada diante da correnteza.
Não ignore as flores deixadas sobre o leito do seu ofício,
O suave perfume delas será o manto de proteção para que esteja sempre confortável e protegida.

Rios de tristeza despejam suas águas morro abaixo,
Não podemos ter o direito de mergulharmos todos os sonhos e afogarmos em desilusões.
O ritmo disperso da chuva será como uma sinfonia de lamento e abandono,
Desejamos não sair mais feridos, porém a sangria é a correnteza do segredo de nossa intimidade.

Vida, vida toda cheia de pulsão tão lacônica com a desesperada partida,
Não escuto a voz de tantos jorros de amor perante o coração.
A tempestade de tão cruel e imperdoável vilania carrega nossa nau mar adentro,
Nossas lágrimas oprimidas em sigilo é o atroz oceano que ardentemente nos afasta.

O que existe dentro de sua alma que está sendo levada junto à tempestade?
Não é simples abrir um mero guarda-chuva e salvar toda a saudade inundada.
Talvez algo dentro dos seus olhos não possa estar aceitando tanta chuva umedecendo os dedos,
O caminho marejado de águas turvas vai levando nossos corações sacrificados de tanta ilusão.

Grito alto, grito com a tentativa vã de ecoar em toda a direção!...
Será que seus sentidos naufragados de tanta náusea possam me ouvir?
A barca da fantasia leva seus braços cada vez mais distante de minhas mãos,
A tempestade intensa e selvagem separa nossos mais íntimos desejos de vida.

Diante do farol que sinaliza os males do mundo,
A porta esta aberta e atrás dela uma toalha seca à espera dos seus pés molhados.

Que a enxurrada leve para longe todos os medos corruptíveis contidos na palma da mão,
Lembre-se que após a tempestade sempre é possível nascer um novo dia.

A floresta


Madrugada. O dia já anseia romper com a escuridão,
Em torno de toda a densidade da floresta negra,
Quase não é possível nenhum ruído,
Ora um galho caindo ao chão,
Ora um pássaro rangendo asas,
Tamanha solidão regada ao sabor de uma gélida brisa.

No escuro silêncio da mata fechada,
Os pensamentos trilham caminhos autônomos,
Busco não pensar em nada que possa me desagradar,
Inútil tarefa que se reduz ao um latejante rondar de um mesmo semblante,
Os olhos cegos jorram seus feixes na direção da penumbra,
Nada a vista, nada em minhas mãos... Tudo escuro!

A viagem pelo interior da minha alma,
É um jazigo castigado pela musicalidade de um inverossímil silêncio,
Uivos de lobos ao longe é o registro que o caminho não será sem surpresas,
Trêmulas de frio e temor, as pernas insistem em não se equilibrarem,
Apoio minhas mãos e começo a erguer-me tão lentamente quanto os ponteiros do relógio,
Olhos cerrados ou abertos, a claridade é uma lanterna rara diante das trevas.

Na floresta de todos os medos e anseios,
Nada é tão simples que se possa guardar dentro de uma caixa de bombons,
Sensações e angústias são elementos essenciais que crescem entre a grama.
Todos os pesadelos tomam forma de realidade quando o surreal engole o cotidiano.
Nada se torna tão real quanto o clamor no vazio de todas as palavras sem abrigo,
Não há sinos ecoando seu chamado e tampouco a travessia para outros caminhos é vislumbrada.

Na floresta que fomenta todos os temores e zomba de todos os heroísmos,
Um barulho quase invisível é sentido bem mais adiante,
Indecifrável entre outros pequenos sons aleatórios e sigo hesitante em frente.
Uma respiração ofegante que penetra fundo do âmago daquilo que ainda resta da alma,
Não existe Paz enquanto não for desvelada toda a essência do destino,
Quando se aproxima lentamente tudo se esvai... Mero engano ou a coragem vencida?

Ergo a cabeça lentamente até sentir o rastro fragmentado de uma luz tênue.
Uma pressão sobre meus ouvidos indica que nada é possível de sentir,
Na boca seca de tanto salivar a monotonia dos símbolos sonoros,
O gosto é tão severo e amargo que se reproduz no interior dos órgãos vitais,
O Amor não é o sentimento mais seguro entre todo um turbilhão de fantasmas,
A defesa contra os artifícios do Amor é a submersão completa e sem recados no interior da floresta enegrecida da própria alma.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Rotina


Quando os dias passam com morosidade punitiva,
Sinto a todo instante um caminho cada vez mais longe,
Ando sem muita certeza qual será a estrada que suscitará menos surpresas,
A névoa escura teima em não dissipar sobre minha cabeça.

No alto de minhas incertezas sendo vigiada pelo algoz abutre da desesperança,
Nada tenho a oferecer exceto algumas migalhas do que sobrou de minha coragem,
Tantas lutas travadas e cravejadas com o sangue de lábios entrincheirados,
Hoje sou menos do que eu poderia me oferecer.

Não sinto mais a leveza de outrora quando me costumei abrir os olhos,
Os dias em Sol são como a chuva fina numa fria manhã de sábado,
Tantas noites em claro e a razão ainda teima a funcionar,
A vida pesa como a lâmina da guilhotina roçando meu pescoço.

Acordar é querer retornar para debaixo da cama,
É preciso acreditar em mentiras sinceras para pestanejar os primeiros passos,
Pé após pé percorrendo poucos metros que se transformam em quilômetros,
O cais que beija o oceano não vai além da beira do jardim.

Manter a rotina é uma procissão sem fanáticos peregrinos,
Rabiscar páginas e páginas e pensar um novo dia não é uma tarefa para principiantes,
Cada página amassada é como mais um dia de frustração,
Em volta pensamentos coexistem num vazio vicejante tão extenso quanto os túneis do metrô.

Abaixo o porta-retrato para que a dor não se amplie a cada deslize dos olhos,
O despertar do telefone não toca mais a sonata sempre tão aguardada,
O silêncio cruza os céus como adagas certeiras no peito,
O cair da tarde é a lembrança perfurante que se renova fastidiosamente a cada página de calendário.

De tanto frio o sangue congela no cruzamento entre veias e artérias,
O deserto de palavras é o labirinto das janelas da latente espera.
Ao redor a nítida sensação que o pesadelo é a condição básica da incipiente rotina.
A lágrima seca é o rio que adentra a alma e corre sem destino conhecido.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Memórias do Tempo (A angústia das horas)


Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as cousas nelas escritas, pois o tempo está próximo.
(Apocalipse 1.3)

Tempo que espalha sem destino,
Tempo que não espera ninguém,
Tempo que desliza tão depressa,
Tempo que afaga nenhuma alma.

Tempo de longa espera.
Tempo de breve alegria.
Tempo de grande fantasia.
Tempo de mínima fé.

Tempo que dita o cair dos dias,
Tempo que interdita a angústia das horas,
Tempo que não perdoa os erros e não louva os acertos,
Tempo que imbeciliza, amadurece e envelhece.

Tempo que vaticina os desejos e escárnios,
Tempo que não apara a lágrima de uma mãe,
Tempo que ecoa sorrateiramente pelos sentidos,
Tempo que escorre como grânulos de areia entre os vãos dos dedos.

Tempo é aquilo que não se tem,
Tempo é aquilo que sobra,
Tempo é aquilo que faz penar,
Tempo é aquilo que coagula.

O Tempo é maior que o desespero da morte,
Nada é maior que o seu feroz arbítrio,
Nada é maior que os seus desígnios,
Nada é maior que o seu legado.

O Tempo menospreza classe social.
Não respeita autoridade ou templo.
Não dá atenção para insígnias ou patentes,
Não valoriza rótulos,
Não atende súplicas.
Não ouve clamores.
Não escolhe seus mortos.

Tudo ao mesmo Tempo pode ser muito pouco tempo.
Quase nada pode ser feito sem observar o relógio,
O Tempo que gera uma vida.
O Tempo de um aleatório coito banal,
O Tempo da maternidade sacrificada,
O Tempo do desenrolar de uma criança.
O Tempo que cria é o mesmo que destrói.
(Como o Tempo desgasta a vida e dói na alma!)

Começa o dia, finda a tarde e chega mais uma noite,
O Tempo escoado pela ampulheta da existência,
Quantos já passaram pela vida e sequer deram conta do seu desperdício?
Quantos o Destino suprimiu-lhes a vida antes do Tempo?
Quantos que apenas assistiram ao deslocar dos ponteiros do Tempo?
Passou, passou, agora adeus!...
O Tempo passou pela vida!
Morreram tantas almas antes da vida!
A vida foi sentida ou lograda?
O Tempo passou e quantos nada viveram?
O Tempo é um engano.
O Tempo é uma frustração.
O Tempo é pura redenção.
O Tempo enterra seus filhos.
O Tempo ensurdece a cegueira.
O Tempo corrosivo é sentido na pele e no alto da cruz,
Cultuamos as dores para serem registradas pelo Tempo,
Encarceramos o Amor para preferir ao masoquista retrato do Tempo,
Sacrificamos nossos desejos para não encarar mais uma vez o Tempo.

A tirania do Tempo.
Segundo a segundo,
Atropela os ponteiros invioláveis do Tempo.
Brincamos com o Tempo achando que podemos burlá-lo.
Podemos até lograr a Morte, mas nunca o Tempo.
Toda maquiagem é derretida pelo Tempo.
Toda mentira é revelada pelo Tempo.
Todo engano é martirizado pelo Tempo.
Todo medo é punido pelo Tempo.

O Tempo deixa viver até quando Ele sedimenta suas leis.
Perdemos tanto Tempo quando respiramos apenas para contar o Tempo.
Olhamos para o registro do Tempo nas rugas de nossas mãos,
O Tempo presente na frente do narcíseo espelho,
Tantos sonhos já foram massacrados pela ansiedade do Tempo!
O Tempo com suas verdades tão indecifráveis.
O Tempo que brinca com todos os cadáveres.
O Tempo que despedaça os corpos.
O Tempo que estilhaça a paz.
O Tempo que sublima a vaidade.
O Tempo que desvirgina a ingenuidade.
O Tempo que acende um cigarro.
O Tempo que revira o travesseiro.
O Tempo que silencia os lábios.
O Tempo que causa dor (profunda dor!).
O Tempo que turbina a insanidade,
E o mesmo Tempo que amplia a atormentada angústia.

No Tempo da réstia de esperança tudo era possível,
Acreditar na liberdade sem fim,
Ousar pedir para que o Tempo leve todas as mágoas,
Sussurrar ao Tempo todos os segredos,
Bater na porta esperando o Tempo passar,
Tantas madrugadas em Sol negando o Tempo,
Esperar o Tempo afogar as memórias da solidão.

Tempo do alinhamento dos astros celestes,
Tempo das páginas amareladas da história,
Tempo das fotografias borradas pelo sangue dos dedos,
Tempo que leva para longe os afetos, paixões, emoções...

Tempo de mãos atadas de crueldade implacável.
Tempo que açoita a saudade daquele beijo de amor sincero,
Tempo que maltrata o peito maculado de pustulentas enfermidades,
Tempo que não escolhe suas vítimas.

Tempo é tudo aquilo que acredita ser remediável,
Tempo é tudo aquilo que engana a si mesmo,
Tempo é tudo aquilo que ansia pela eternidade,
Tempo é tudo aquilo que não é imortal.

O Tempo mente.
O Tempo sente.
O Tempo lateja.
O Tempo finda.
O Tempo chora.
O Tempo corta.
O Tempo cala.
O Tempo corrói.
O Tempo dói.
O Tempo grita.
O Tempo suplica.
O Tempo sangra.
O Tempo corre.
O Tempo morre...
O Tempo não vive mais do que o desabrochar de necessidades mundanas.

Nasce o dia,
E mais outro dia...
E o firmamento passa pelo Tempo.
O Tempo à espera pela barca de Caronte,
O medo indelével do fim dos dias.
Não há vida presente,
Apenas mera ilusão perene.
O Tempo é o passado do retrovisor.
O Tempo é o futuro da bola de cristal.
O Tempo é o presente que nunca se vive: postergar, postergar e postergar!
O Tempo é aquilo que já não tenho,
O Tempo é aquilo que tanto sufoca,
O Tempo é aquilo que aprisiona,
O Tempo é aquilo que se extinguiu ao escrever tais palavras.
(Quanto Amor foi morto antes do Tempo?)

O Tempo é a maior das criações humanas.
O Tempo não é ateu.
O Tempo tampouco é da Ciência.
O Tempo amoral é a religião.
O Tempo é o fanatismo da modernidade.
O Tempo é o lucro dos abutres.
O Tempo é a cevada dos sedentos.
O Tempo é a chave para a vida.
O Tempo cicatriza os lábios da morte.
O Tempo que nutre falsos profetas e espalha profecias.
O Tempo é tudo aquilo que foi criado.
O Tempo é tudo que nunca existiu.
Oxalá se até mesmo Deus é filho do Tempo!
Ao mesmo Tempo em que Ele é tudo.
Somos poeira cósmica a espera do Tempo.
O Tempo que nos leva,
O Tempo que nos consome,
Quanto Tempo nos resta?

No debruçar da longa noite de cada um de nós,
Na estrada infinita do Tempo,
Quem poderá desobedecer aos seus caprichos?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Indagações


O que é que está nos afastando agora?
Porque o silêncio vem bloqueando nossos olhos?
Qual a verdade trancada debaixo de uma pedra?
Tantas indagações amarguradas sem nenhuma resposta...

Hoje lembrei novamente dos nossos mais líricos momentos,
A sua voz doce e suave destilada ao telefone,
Uma invasão de tanto afeto dentro do meu peito,
A constelação cintilante de cada final de semana ao seu lado.

Lábios selados com o longo manto da maldade,
Páginas em branco são reviradas de um lado para outro,
Faltam palavras para acrescentar aos percalços de uma história.
Lábios não cicatrizados e deslizando palidamente uma gotícula de sangue.

Para meu desconsolo as memórias são tão cruelmente lúcidas,
O dia do primeiro beijo e os telúricos beijos seguintes,
O amor despontando e enaltecendo nossos corpos,
A vida cheia de desejos quando cada olhar rompia o tédio dos dias em distância.

Qual prazer é possível quando estamos confinados a um cemitério de saudades?
Quais os segredos lacrados e imersos no seu peito que nunca são revelados?
O Tempo nos maltratando como um corrosivo redemoinho.
Tangida minha alegria, o que me resta a fazer é sentar extático neste banco.

O medo que transborda nas palavras caladas de sofreguidão,
A ausência do despertar da sua voz brindando minha alma,
O refúgio do sorriso nas muralhas da (in)segurança,
A poesia ecoa tão pouco brilho com a incongruente indiferença.

Minhas mãos negadas como quem fecha a porta do Paraíso,
Uma atmosfera de intensa perplexidade ronda todos os pensamentos,
O amor é um barril de pólvora atado a uma pequena fagulha,
Com a iminência de explodir ou implodir os sentimentos deslizados à flor da pele.

Por que tanta pressa para interditar toda a longa estrada da gentileza?
Uma canção diz com todas as suas cores: “Amor é a palavra que liberta”.
Não se pode deixar as angústias darem o tom das regras do jogo da existência:
Por que encarcerar a sonoridade das reentrâncias da alma?

Pétalas ao chão
















De flor em flor,
De amor em amor,
De dor em dor,
Hoje não sobra mais a rima,
Rima pobre, muito pobre...
Uma, duas, três... Algumas gotas de chuva,
Mesmo diante do vidro da janela,
Mesclam no rosto sem fronteiras determinadas,
Minha face ainda está úmida e inquieta,
Apenas o silêncio entoando o seu inglório canto.


Das rosas ofertadas aos seus olhos,
Restaram apenas os espinhos adentrando impetuosos no coração,
Sangram e sangram sem cessarem os rios de lamento,
Os ramalhetes que tantos fizeram as cores dos seus dias,
Hoje estão com todas as suas pétalas disformes,
Espalhando-se soltas pela estrada vazia de nossa distância.
O deserto gelado que tomou conta de nossos dias,
Um alucinado silêncio dobrando as esquinas,
A fuga desesperada das palavras atadas a todos os medos,
Nosso jardim de tantas alegrias regadas a intensa paixão,
Tantas angústias celebram nossa separação,
Nenhum sorriso mais recitou alguma alegria,
Não me encontro nesta atmosfera de chumbo.


Hoje fecho meus olhos com o desabar do tempo,
Tenho que falar das lágrimas que nunca secaram,
Os dias pesando toneladas sobre minhas costas,
Os joelhos dobram de um cansaço indecifrável,
Minhas palavras ensurdeceram ao cair na terra úmida,
Ainda lembro do dia que foram guardadas as primeiras pétalas,
As flores sempre perfumaram nosso ambiente,
O seu sorriso de tão belo inibiam as pequenas pétalas,
E tanto amor contido no sabor de cada beijo único,
Uma história de rosas e lágrimas que não foi mera banalidade,
Cada feixe de luz da manhã que adentra ao seu quarto,
Contempla cada momento que meus dedos tocavam a sua pele,
Cada verso depositado ao seu coração,
Nosso amor não era para ficar assim,
Um jardim com pétalas espalhadas por todos os cantos.
Cada pétala nutrida de uma memória banhada ao chão,
Será sempre a saudade maior do amor de todos os amores.

sábado, 17 de novembro de 2007

Recital (Uma canção à sua espera)


“Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria.
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?
(Fernado Pessoa)


O dia tem uma cor quase negra,
Cinza é o tom de minha alma,
A música recitada ao meu redor não me diz felicidade,
A sonoridade obscurece minha esperança...

Adormeço!
Em trevas, sem luz...
Não sonho,
Não consigo sonhar,
Limito-me a pesadelos e pensamentos irreversíveis...
Meus Deus é ateu,
Meus olhos observam a sua dor,
Em minha boca o silêncio me amordaça...

Penso em Você,
Como forma de tê-la presente!

Penso em Você,
Como forma de acreditar no lacônico Paraíso!

Penso em Você,
Diversas vezes num mesmo momento!...

Hoje não é azul,
O futuro não me parece com nada conhecido,
A saudade se reduz a um calendário do mês passado,
O dia passa estático
Como o frio que aquece meus nervos...

Horas exaustas, horas absurdas,...
Drummond é cada vez mais verdadeiro para mim,...
Sua dádiva não tenho,
Nem a certeza de minhas inquietações pouco homéricas saciadas...
Quanto hei de percorrer?
Quais caminhos ainda faltam a trilhar?
Qual a estrada de tijolos esmeraldas me conduzirá
Ao seu infinito olhar?

Forcejo-me,
Mais forte seria
Se o desespero que me abate
Findasse ao pôr-do-sol de cada dia...

Forcejo-me,
Mais forte seria
Se a distância fosse o fim da ausência
E as suas lágrimas a fonte que me sacia...

O que há de novo,
Numa lírica canção,
No qual não saiba me expressar
Tão sorrateiramente sem voz?

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A morte anônima


Um homem sem rosto, sem vida e sem destino,
Anônimo como qualquer homem anônimo,
Já entediado do trabalho anônimo,
Já pulverizado pelos amores anônimos,
Já amedrontado pelas atrocidades anônimas,
Já desgostoso da vida fútil e anônima,
Decidiu interromper seu anonimato.

Findar uma vida anônima não é fácil.
Procurou o primeiro hospital, amargou tempo numa fila anônima até falar com um médico igualmente anônimo,
Na consulta ao clínico cabisbaixo e sem olhar para a sua cara,
Foi desautorizado a praticar a eutanásia.
Frustrado, pensou numa outra forma de morrer anonimamente,
Buscou refúgio à beira de uma anônima ponte,
Após ter ingerido até o último gole de uma bebida sem rótulo,
Tomou coragem e tropeçou ao subir na borda da ponte, prendeu o cadarço que o salvou do lacônico salto.
Um transeunte anônimo viu o acontecido e rapidamente o tirou daquela condição.
Passaram os dias e nova tentativa de morte: agora era a vez da gilete.
Desastrado, a empreitada só cortou os seus dedos e sem sucesso para interromper a vida.
O azar não favorece a morte.

Desesperado, pegou aleatoriamente um produto químico da prateleira,
E ingeriu rapidamente sem pensar muito...
Apenas conseguiu uma congestão que lhe valeu dois dias preso num leito.
Na saída do hospital, a morte era cada vez desejada.
Sonhava noite e dia com a hora do fim dos seus dias.
Morrer era uma questão de honra.
Sem filhos, sem amor e apenas alguns tostões.
Sozinho na vida anônima e devendo o aluguel de um pequeno quarto-e-cozinha em gueto anônimo,
A obsessão pela face da morte era o que fazia valer os seus dias.
Decidiu então roubar um carro com a brilhante idéia de se chocar a um poste ou muro.
Na insana ação conseguiu atropelar duas pessoas e matar uma criança.
Preso em flagrante e amargurado,
Sem grana para o advogado e muito menos para subornar o juiz.
Foi julgado e condenado a dezoito anos de xadrez.

A cadeia foi o seu martírio!
A rotina enlouquecia seus temores suicidas ao acordar sempre na mesma cama e ver o céu com as mesmas quatro arestas nada anônimas.
Tanta vigilância dos guardas sem crachá era impossível dar cabo da sua vida.
Os anos se passaram e três tentativas frustradas de suicídio foram suprimidas pelos guardas.
A última grande tentativa foi interrompida pelo seu colega anônimo de cela que o salvou do enforcamento.
Nesta altura da vida, ele amaldiçoou a todos aqueles anônimos que salvaram a sua pele.
Com o tempo, soube que muitos colegas anônimos foram mortos ou saíram da cadeia.
E ele ainda permanecia com o seu único mordaz desejo à flor da pele.
Passou mais ainda o tempo...
Após comprido seu exílio,
Ele era outro homem...
Mais velho, entediado e as rugas marcando sua face.
Os pensamentos sobre a morte já haviam ficado no passado.

Agora era nova vida...
Liberto dos desejos latentes ele recomeçou suas leituras bíblicas que iniciara na cadeia.
Um legado deixado por um voluntário evangélico que lhe deu um bíblia e ele nunca soube sequer o seu nome.
Acreditava então que Deus havia lhe dado um destino e ele teria que trilhar os desígnios divinos.
Tantas tentativas de suicídio apenas fortaleceram seu desejo de vida.
Decidiu abrir uma igreja e trabalhar para fortalecer a obra de Deus perante as almas sofredoras.
Conseguiu recolher dinheiro com árduo trabalho anônimo em um depósito de sucatas.
Tudo estava programado para alugar um pequeno salão de uma rua sem placa e abrir a Igreja do Reconhecimento Divino.
Estava feliz como nunca tinha sentido felicidade antes:
Encontrou até mesmo uma moça anônima em uma fila de desempregados na cidade e espera dela o seu primeiro filho.
Percebeu que o desejo da morte foi a maior bobagem que tinha criado na vida.
A morte era caso passado e agora a vida era tudo o que ele desejava.
A rotina de novos dias e a espera do garoto o animou com grande alegria.
Numa manhã de gotas anônimas desabando sobre o céu da cidade,
Acordou pela manhã, beijou a testa da esposa adormecida e acariciou em silêncio a barriga que guardava sua criação.
Como sempre fazia cotidianamente, deixou o café e os pães sobre a mesa para sua amada e iria partir para mais um dia.
Antes de sair de casa, decidiu abrir a janela do quarto para entrar um pouco de luz no casebre precariamente iluminado.
Subitamente pisou em falso, escorregou no tapete, bateu a cabeça no chão...
A morte outrora tão aguardada finalmente chegou...
Sem aviso prévio, telegrama ou sem maiores ostentações.
Sem nenhum alarde, um velório recheado de vazios, muita chuva, uma pequena multidão de curiosos para manifestar a hipócrita piedade do defunto anônimo e apenas sua mulher grávida fazia companhia.
Sem flores, lágrimas ou despedidas lacrimosas foi enterrado.
Ainda no cimento amolecido sobre a sua sepultura anônima foi gravada com letras trêmulas uma mensagem escrita por sua mulher: "Aqui jaz um pai".

Ao subir ao Céu soube que seu desejo de morte era empecilho para encontrar a Paz.
Desceu sem passar pelo Purgatório devido ao excesso de contingente de almas anônimas.
Só no Inferno debaixo de um severo anonimato que o perseguiu por toda a vida,
Ele finalmente conseguiu fazer as pazes com a anônima Morte.

Até mesmo uma seca vida anônima pode aprender algumas lições:
A Vida é apenas um estranho espaço anônimo,
Viver só existe na lembrança alheia,
A Morte só se consolida no esquecimento.
O Céu é apenas uma miragem.
A Morte não escolhe o seu cúmplice
E tampouco possuí relógio suíço.

Epitáfio


Jaz em mim o fim!
O que escrever no fim da página?
O que fazer das palavras quando já findam?
O que dizer quando tudo poderá ter sido dito?
Descrever o círculo pungente da escrita (quase maldita)?
Ou circunscrever uma dor no infinito?
O que escrever na página que está no fim?


O fim da palavra ou o fim da ausência de palavras?
Se as palavras não tem fim,
A ausência de palavras, sim!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Ode à uma tênue lágrima (Súplicas de um anjo)


“Eu sou um dos que, por este modo, penam. Por tal motivo, e não por qualquer defeito, perdemos o Paraíso. A nossa pena é simplesmente esta: Arder em desejo, sem a esperança de saciá-lo.”
(Dante Alighieri, em “Inferno”
d’A Divina Comédia, canto IV, vers. 31, ano 1300.)




Em toda queda há um anjo...
Em toda tristeza há um anjo...
Em toda solidão há um anjo...

A cada saudade que enche seus olhos,
Há um anjo...
A cada passo melancólico, quase estático,
Há um anjo...
A cada hora que extravasa seu peito,
Há um anjo...

Você acredita que esteja só,
Solitária em sua solidão,
Num silêncio insólito,
Guardando uma tênue lágrima
Que enseja percorrer sua face...
Não vê, não sabe que existe, não entende!...
Olhe! Há um anjo ao seu lado...
Mas, Você não o vê!...

Há um anjo que veleja consigo na solidão.
Há um anjo que busca incessantemente,
A melhor maneira de entender
As nuanças que sublimem o seu coração...
Um anjo que busca a paz,
Mesmo no martírio, busca a sua paz!

Um anjo transubstancial e translúcido,
Não ousa tocar, não pode tocá-la,
Observa e silencia,
Só ele sabe o quanto é corrosiva a distância,
Ele não se contenta na distância,
De tão próximo alcance,
Longe, longe... Mas tão próximo!
As luzes se fecham,
E Você, na diária rotina, parte!
Mas o anjo lhe acompanha,
Mesmo na ausência,
Vagueia por onde seus passos percorrem,
Emudece quando suas palavras cessam,
Ora quando seus sentimentos destoam...
Ao seu lado, mesmo que não acredite!...

Um anjo que busca proteje-la dos açoites do tempo,
Um anjo que busca preservá-la das veleidades do mundo,
Um anjo que busca salvá-la das alienantes formas do sofrer...

Um anjo torto drummoniano sem esperança,
Sem crença e sem claridade...
Anjo ateu em busca da luz,
Numa utopia que não se reduz,
Apesar dos alicerces que produz,...
Tão insensata quanto o próprio Criador.
O Senhor do limbo que injetou a criatura,
Num mundo inóspito, gangreno e fosco,...
Um anjo que engole o sofrer,
Como quem se embriaga com a água dos sedentos,
Para continuar a sobreviver,
Procurando não convalescer,
Tombar,... Antes mesmo de compreender
A metafísica do viver...

Um anjo vive na imensidão dos seus olhos,
Um anjo peregrina as trilhas escaldantes a seu encalço,
Um anjo falece,
De sofreguidão,
De ânsia,
De ausência,
De solidão,...
Não há paz!... Não há paz!

Mas em seguida volta,
Mesmo quando não queira acreditar,
Mesmo quando pensar que estará perdida,
Mesmo quando não acreditar precisar,
O anjo renasce em busca de sua felicidade,
Sabendo que jamais será reconhecido,
Um anônimo sem o beijo da vitória,
Que se contenta, somente, com a glória
De um sorriso de seu doce semblante...

Quando um anjo cai,
Não é somente pelo cansaço,
Não é somente pela derrota,
Não é somente pela renúncia,...
Não é somente pelas tormentas da inércia de um amor...
Um anjo deseja descansar o coração,...
Sem mais más notícias,
Sem mais desilusão,
Sem mais lágrimas,
Sem mais quimeras,...
Se as palavras do anjo não se fazem sentido,
Então ele cala!
E respeita a quem não quer ouvi-las,...
Se não há respeito, não há as virtudes da dedicação,...

E com os pés descalços e as mãos atadas,
Um anjo há de retornar para o lugar de onde partiu,
Sem glória ou alegria,... Sem amor!...
Apenas a desilusão que o feriu,...
E no chão encontra a paz,
E no chão jaz,...
Um anjo que não foi ou irá ao Céu,
Um anjo terrestre que encontra a terra,
E a terra somente encontra-o como fertilizante.

Um anjo que outrora ousou entrar no Céu,
Buscou seu lugar na eternidade,
Porém, jamais encontrará abrigo na Terra...
Pois a Terra não é o seu lugar,
Talvez nas estrelas,
Talvez nos astros que fincam gravitacionalmente sua orbita,
Talvez seja um pária astral!...

Um anjo não grita de dor,
Ele é mudo!
Um anjo não pode avisar dos perigos,
Amordaçaram-lhe sua voz!
Um anjo não chora,
Pois, já não há mais lágrimas a derramar!
Um anjo não faz gestos,
Suas mãos estão presas!
A ele cabe apenas observar,
Em dor infinita e aguda ânsia do penar,
Ele apenas cabe a desmedida observação,
E nada mais!...

Um anjo é desmerecido,
Insultado sem razão,
Postergado e desvalido à qualquer situação,
Inflado de desmerecimento,...
Quem nunca o vê,
Quem não entende o que é viver,
Quem não entende o que é sofrer,
Quem se esconde da verdade,
Está condenado a repetir erros trágicos,
Comodismo e inércia são simbiontes da infelicidade,
A persuasão da intolerância é o molde maior do rancor,
A vida é muito breve,
Para se perder em tolices incoerentes e fobias fúteis!
A vida é tão breve,
Quanto uma manhã morna de primavera!
A vida é breve,
Por que então ficar do lado oposto da felicidade?

Um anjo não confina respostas completas,
Um anjo não é a fonte da verdade,
Um anjo não é a verdade,
Apenas busca a verdade!
Busca a felicidade
A quem ele acredita merecedor,
A quem ele acredita poder mostrar,
A quem ele deseja acreditar...
A quem um dia ele ousou amar!...

Domingo


Hoje é cinza.
Tudo ao meu redor é tingido da mesma cor.

Hoje é silêncio e eternidade.
Tudo age e regurgita circundado por um vazio intenso.

Hoje é saudade.
Tudo transpira e reluz a ausência fratricida.

Hoje não há mais alegria.
Uma ausência sem explicação.
O sorriso se foi sem deixar endereço.
Nenhum bilhete sobre o porta-retrato.
Nenhuma notícia do seu paradeiro.
Nenhum vestígio de seus passos.
Nada!... Nada além de fragmentos da memória.
Saudades!... Apenas insólitas saudades!

A anorexia sentimental predomina nos alicerces dos pensamentos.
Hoje minha alma se recolhe com a frigidez da distância,
Ecoa uma frieza latente que alimenta meus fantasmas.
Em nenhum lugar encontrei as respostas que tanto anseio.
Não sei mais o número de vezes que me senti estúpido diante dos ponteiros do relógio.
As horas que nunca findam,
E o tempo que nunca chega para onde tanto desejo.
O peso dos dias são elefantes se arrastando para atravessarem um pântano.
Nada faz esquecer o que nunca deveria ter sido esquecido...
Latejam estilhaços de vidro na alma pela falta de sua confiança em minhas mãos.
Tantas canções repentinamente emudecidas.
A solidão e os demônios se alimentam da minha dor.
Ontem adormeci e sonhei com Mefisto.
Acordei sem seu amor e somente o silêncio me visitou...

Hoje é domingo,
Que fim levou a felicidade?
A madrugada não tem mais o sabor do seu corpo,
Sem a claridade matinal dos seus olhos,
Sem a presença terna de suas mãos,
Sem o indescritível beijo de afeto...
Agora, atado pelas fobias do inconsciente,
Tudo imerso nas lembranças do meu quarto.

Posfácio


Quando o soar da última lágrima findar
E minhas pálpebras não mais se sustentarem,
Gostaria que estivesse ao meu lado!

Quando iniciar o infinito percurso de minha alma,
As saudades deste seu olhar me marcarão,
Levando suas lembranças ao vazio da eterna noite...

E neste dia,
Certamente irei perdê-la...
Como um último desejo,
Peço-lhe com apreço:
Aqueça-me no altivo calor do seu beijo.

Na justa paz de seus lábios quero desfalecer
E na justa paz de seus lábios quero ressurgir!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A letra morta


Sinais passados são holofotes para o futuro?
Não questionamos os dias sempre perenes e atados de ilusões,
Palavras escritas tangidas pelo calor do Tempo,
O blefe que contradiz todas as percepções.

O uivo insosso da matilha dos sedentos,
Evapora a seiva vital da jugular de almas inocentes,
Acorrentamos na longa estrada dos medos freudianos,
Cada gota de sangue é uma rebelião.

Na escrita oculta de cada trêmulo verso,
É preciso encarar cada dia como um locus de sobrevivência,
No mundo distorcido pela mobilidade transeunte do capital,
Peregrinar se reduz na elasticidade do verbo sobreviver.

Hipermodernismo pasteurizador das angústias mundanas,
Consumir alucinadamente é a busca frenética pela vã existência,
A infelicidade é o maior dom da alienação coletiva,
Delineamos com violência o que se esconde na trincheira fértil do cemitério.

A morte é pouco quando a vida é fútil.
Ceifamos milhares de vidas inutilmente,
Entre guerras, hipocrisias e poderes quase absolutos,
A silenciosa carnificina gratuita é a maior herança de nosso legado (des)humano.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O Ser e o Nada


Todas as mentiras foram louvadas,
Todas as memórias esquecidas,
Todas as palavras silenciadas,
Todos os avisos atropeladas,
Todos os gestos apagados,
Todas as chagas expostas,
Todas os olhares esquivados,
Todas os sentimentos subordinados,
Todos os medos aflorados,
Todos os sonhos abortados,
Todas as veleidades alimentadas,
Todas as ilusões atormentadas,
Todas as lágrimas partidas,
Todas as saudades fomentadas,
Todas as dificuldades acrescidas,
Todas as verdades mutiladas,
Todas as angústias infladas,
Todas os alicerces fragmentados,
Todas as mudanças abolidas,
Todos os desejos asfixiados,
Todas as promessas incineradas,
Todas as luzes extintas,
Todas as noites depressivas!...

Tudo ao redor,
Convive com um fugaz dilema:
Entre o Ser e o Nada,
Quem sobrevive no infinito em Trevas?...

Espelho d´água


Já não me bastavam todas as desilusões da vida,
Já não me bastavam todas as lágrimas exaltadas,
Já não me bastavam todas os esforços incompreendidos,

Sinto demasiadamente a ausência os seus olhos!

Já não me bastavam os dias em cinzas,
Já não me bastavam as noites em claridade maquiavélica,
Já não me bastava a tortura do Tempo,

Tudo significa pouco para mim!

Já não me bastavam os sonhos afogados,
Já não me bastava a cidade sem nexo,
Já não me bastavam os vórtices dos anos,

Procuro nutrir-me do reflexo de um exíguo passado!

Já não me bastava o vazio da mão estalada,
Já não me bastava o cálice refazendo sua esfinge,
Já não me bastavam os pesadelos de sua alma em chamas,

Aglutinam-se na mente todo o desconserto das horas!

Já não me bastava toda a lúdica Ciência,
Já não me bastava desconfiar das Escrituras,
Já não me bastava desafiar o impossível,

Nada é tão falso quanto a veleidade obscurecida da visão!

Já não me bastava desacreditar na verdade,
Já não me bastava desfazer os caminhos,
Já não me bastava incinerar etapas,

A miscigenação entre o Céu e o Inferno é inevitavelmente fugaz!

Um dia Você foi alívio,
Hoje apenas descreve um paradoxo:
Não sei se acreditei demasiadamente na realidade,
Não sei se menosprezei a finita panacéia felicidade...

Apenas sei,
O que antes tudo sabia a respeito do Mundo,
Não fora o bastante!...

A marcha


“Toda saudade é um capuz
Transparente

Que veda

E ao mesmo tempo

Traz a visão

Do que não se pode ver

Porque se deixou pra trás

Mas que se guardou no coração”

(Gilberto Gil, in “Toda saudade”, 1984)



Quando eu ouvi Você chorar,
Que melancolia me cobria diante do seu triste penar,...
Quando eu senti a sua dor sem cessar,
Que aflição percorria o meu peito sem poder lhe ajudar...


Cantar é a minha profissão de fé,
Uma marcha oriunda da emoção hei de compor
Caminhar sem poder parar...
O que move meus pés
É ânsia de buscar a Paz em seu coração,
Tranqüilizando suas dores,
Afugentando seus temores,
Amenizando seus ombros,
Minimizando pesadelos intangíveis...


Nada muda o curso das coisas,
Nada é imutável em sua plenitude,
Nada é sagrado o suficiente para sobreviver
O inexorável destino de cada ser...
A vida é composta de uma mística amálgama
Entre o desbotar da alegria
E a incomensurável calor da sangria...
Tudo na vida nunca é totalmente eterno,
Tudo na ausência nunca é totalmente distância,
Tudo na dor nunca é totalmente lágrimas...
Minha marcha é caminhar com as palavras,
Ao longo de linhas curvilíneas,
Como as curvas da longa peregrinação da nossa existência,
Peregrinar,
Peregrinar,
Peregrinar com o rosto sorvendo o vento gélido das manhãs orvalhadas,
A cada dia procurar um novo caminho,
Que distancie dos conflitos de nossa alma,
Um sábio descanso da mente...


Quando a voraz angústia pretender lhe consumir,
Não lagrimeje na solidão,
Não abrigue em seu peito a dor,
Não sedimente palavras que façam liberar o fardo d’álma...
Eu queria tanto poder lhe dizer
Que a vida quando nos abandona,
Um dia volta ao nosso presente,
Um dia que partiu ausente,
Voltará quando menos acreditar...
Mas a vida não é assim,
É uma marcha sem fim,
A solidão tão ruim,
Uma terra sem querubim...
Um caminhar sem tréguas,
Um destino a prosseguir sem mais demora,
Uma dor que sufoca uma outra dor,
Uma alegria que sucumbe uma mágoa,
Um passo diante do outro,
Uma busca de vaga esperança,
Um percurso cheio de espinhos,
Mas que há muitas rosas que florescem
Quando estamos dispostos a enxergar
No vazio de finita solidez,
O éter formador da aura que escurece o Cosmo,
Enegrecendo o coração daqueles que desistem da caminhada,
Sejam os que são desmotivados pelo cansaço,
Sejam os que são convalescidos pelo atroz comodismo...
Não podemos parar !


A vida é assim,
De dor em dor,
Temos que redigir nossas vidas...


A vida é assim,
De lágrima em lágrima,
Temos que semear a breve história de nossas existências...


A vida é assim,
De palavra em palavra,
Temos que erguer um sólido alcácer,
Com reluz caráter e a devoção de liras sacras...


A vida é assim,
De ausência em ausência,
Temos que lutar para manter nossos sonhos diante dos olhos,
Próximos da possibilidade,
E inseridos na alma e no coração.


Viver é uma luta constante,
Brio que gela a espinha,
Uma fobia silenciosa,
Um martírio sem luz...
A esperança nos guia ao vasto mundo do inexplorável,
A cada possibilidade um receio,
A cada silêncio uma voz monossilábica,
A cada lágrima dolorida que desliza a face
É uma chama incinerando uma saudade.


O sorriso é a vela que move uma nau em deriva,
A saudade é o motor propulsando,
A lembrança conservada na memória
É a certeza que o semblante de quem um dia amamos
Eternizará ao longo da vida
Presente a cada momento ausente
Onipresente em nosso íntimo,
Eternamente!


A saudade alimenta a nossa dor,
A lembrança ameniza a ausência,
E a memória imortaliza a perda para o infinito...


E nestas horas,
É preciso estar forte,
É preciso estar altivo,
É preciso seguir a marcha,
Rumo à felicidade,
Rumo ao eterno...
Sempre!...


Talvez então,
A oratória de nossas preces
Possam fazer sentido,
Não com palavras pagãs,
Mas com os sentimentos e a árdua paciência
Do genuíno sentido da Fé.


Se no caminho da marcha,
Não há a alegria que ansiamos,
Ao menos, com certeza, encontraremos reflexão !

domingo, 11 de novembro de 2007

Noite


Noite...
Noite que brinda com seu brilho ofuscante,
Noite que desperta os espíritos de mau agouro,
Noite que não sacia os desejos pulsantes diante do silêncio...

Caminho por ruas quase desertas,
Monotonia rompida por barulhos de estilhaços de vidro ao chão,
Erráticos carros rompendo a paisagem com seus escapamentos cretinos,
Ao longe é possível ouvir os sussurros dos infectados por entorpecentes.
Cães ladram incansavelmente na vã tentativa de proteger seus lares,
Nenhuma viatura policial ao redor e nenhuma novidade neste fato,
Comércio livre para os viciados de prazer imediato de uma fumaça idiota e alucinógena,
Deus adormece quando as ruas são tomadas pela escuridão.
(Deus sempre está dormindo!...)

Noite de longa distância,
Longa promessa de ausência,
O celibato é tão atípico,
O confinamento é tão mórbido,
O cárcere é um insólito destino.
Longa margem que não desfaz,
Mãos exaustas erguidas...
E tão negadas por lábios cruelmente cerrados.
O silêncio devora os sentidos,
Noite que canibaliza a procissão do amor interrompido.
Noite que despeja uma lágrima,
Na face da alma em reclusão.

Noite longa noite,
Pensamentos vagam sem rumo,
Em busca de apenas um único olhar,
Meus passos já sem grande segurança,
Como se não chegasse a lugar algum...
Mas mesmo com as adversidades percorro o pântano sentimental,
Herança nada confortável e jamais me conformarei.
A lua parece querer dizer alguma coisa,
Não sei ao certo...
Nada sei...
A noite proporciona um diálogo informal com meus demônios,
Sem saída, apenas recolho minha lágrima seca,
Num mundo que a vida não vale mais que um punhado de serpentina,
Tudo é tão estranhamente vago,
Tudo poderia ser tão simples,
Tudo nada mais é que um pouco de miragem com algum álcool para atormentar,
A rota da felicidade é tão paradoxal:
Tínhamos tudo nas mãos e nada temos agora...
A solidão ao redor reproduz uma aspereza indecifrável,
A pergunta que não cala,
É o verbo que vaticina meus desejos,
A noite que assistia nossa troca de profundos afetos,
Tão sublime e tenra energia...
Hoje são rios que devoram o que resta da tal sanidade.

Noite...
Eu sou a noite!
(Brando com toda a força inacessível.)
Noite que purga meus erros,
Noite que atravessa o asfalto,
Noite que inunda minhas vestes com sua chuva providencial,
Noite que molha meus sapatos,
Noite que atormenta a alma,
Noite que visita seu travesseiro,
Noite que deságua nas imagens translúcidas de um retrato,
Noite que cativa a tempestade,
Noite que interrompe o gozo,
Noite que interdita o sono,
Noite que calcifica a dor,
Noite que penetra na sombra da memória,
Noite que alucina seus temores,
Noite que amplia a devastação da saudade,
Noite que grita um eco surdo em silêncio...

Eu sou a noite!...
A noite que cala as palavras nunca ditas,
A noite desafia as amarras do Tempo,
A noite sem brilho que vaga eternamente sem prumo.

sábado, 10 de novembro de 2007

Hipotermia

Se o meu sorriso mostrasse o fundo de minha alma... Muitas pessoas ao me verem sorrindo... Chorariam comigo! (Versos extraído de um blog português sem autoria conhecida)

O que difere a palavra fundamentada da pungente ação?
A palavra para sobreviver carece ser crivada por um pouco de obsessão,
Vivida e embriagada em cálices de surreal desejo.
Sem palavras, caminhamos com sofreguidão sobre rios de lavas,
E nem sempre a atmosfera pouco translúcida garante a Paz.

Nos momentos que a solidão devora o negrume ardor da madrugada,
Penso o quanto indigesto são os dissabores da vida,
Quando acreditamos que tudo poderia ser resolvido com simples palavras e olhares...
E, no entanto, nada se prontifica a ser racional,
As palafitas pouco sustentam o peso dos dias,
(Pesados e bem pesados os dias!)
E o que tange na essência é o profundo caminhar do falecimento da razão.

Não ouço mais o tocar das palavras que outrora me encantava.
Os Demônios com suas caudas que açoitam vorazmente,
Como laminas que adentram nossa carne,
Eclodem com odor de enxofre apodrecido de seus desígnios nas almas em tormenta,
O desafeto da memória que teima em não abandonar as dores.

A perplexidade é a filha bastarda do impetuoso silêncio e da mordaz escuridão,
Tão atroz e insensível, o vácuo da ausência queima como nitroglicerina,
Somam aos lábios selados de desejo,
O sinistro pacto com a infelicidade,
Teimamos em desdenhar da vida com a imaturidade de uma criança,
O preço pela traquinagem insensível é o castigo malévolo do Tempo.

Caminhamos sem a devida piedade para um vácuo existencial,
Sem ouvir os murmúrios das folhas secas pairando ao chão,
Marchamos voluntariamente para o cais,
Para embarcar num navio negreiro de virtudes silenciadas,
Partiremos para um mar tempestuoso de uma insípida realidade,
As noites são tão frias quanto um iceberg a deriva no oceano,
No deserto gelado da maldita indiferença,
Nossos corpos serão apenas meras carcaças hipotérmicas,
Sem o calor que está sendo sucumbido pelo nosso abismo cotidiano.

Talvez seja preciso relembrar a mesmice rotineira:
Acordar, viver, morrer...
A noite que dura enquanto a Lua ilumina a treva,
Ao som dos aplausos dos fantasmas com risos sarcásticos,
Que incinera ensurdecida como metástases ao vento,
Permanece a pergunta flutuante na acinzentada atmosfera:
As lembranças serão suficientes para erguerem nossos pés?

domingo, 4 de novembro de 2007

A canção da ajuda



Muitas vezes a vida nos surpreende das mais distintas formas,
Ora, festivo como ondas no mar,
Ora, tempestivo como tsunamis tenebrosos,...
Quando nos gela o coração,
O que fazer?
Chorar ao cobertor?
Clamar para que cesse a dor?
Rogar ao pé do altar, benesses do Senhor?

Quando a sorte teima em nos contrariar,
Fazendo-nos um sorriso burlesco,
Sutilmente invadindo a paciência fragmentada,....
O que fazer?
Lembre-se apenas que existe um alguém
Que poderá dividir o seu fardo,
Diminuindo o peso de seus ombros,
Buscando minimizar o seu desassossego,...
Lembre-se quem lembra sempre dos seus olhos,...

E quando,
Ao cair da nebulosa agonia,
Há quem estar a pensar em sua fobia,
Há quem também vive com Você
Na distância, nos limites da consciência,
Toda a tristeza de seus ombros.
Restando então,
Confiar!
Confie em minhas mãos,
Confie em meu coração,
Confie, apenas por um segundo,
O que eu mais desejo do mundo,
São estes seus olhos confiando em mim,...

Não confine a alma,
Não segure a dor,
Se precisar chorar,
Então, chore!
Mas não chore muito,
Pois do seu lado está
Quem ao menos procura amenizar
Os dias inglórios,
As noites insones,...

Sei que não o mágico profeta que Você buscar encontrar,
Mas procure entender,
Se o que eu faço,
Ainda for insuficiente,
Perdoe-me, talvez não saiba como fazei-la feliz!...
Mas se crer na minha verdade,
Então saberá que não estará sozinha,
Até o fim do último dia,
Até o fim da última lágrima,
Até o fim da última sonata,...
Sozinha não estará jamais!...

Poema para o Dia de Finados (ou A Dor de Amar)


Quantas culpas e pecados tenho eu? Notifica-me a minha transgressão e o meu pecado.
Por que escondes o rosto e me tens por teu inimigo?
(Jó 13.23-24)

Aguardava eu o bem, e eis que me veio o mal; Esperava a luz, veio-me a escuridão.
(Jó 30.26)



A dor é a ante-sala da loucura,
Escrevo sem temer seus deletérios efeitos.
É o mais trágico dos afetos,
É a luz que pulsa no gargalo das trevas.

Muitas coisas pedem para morrerem no coração,
As lembranças de dias horríveis,
A perda de entes queridos,
A distância de velhos amigos,
O amor atado na cruz,
Os sonhos quase vencidos,
As lágrimas que nunca secam,
A ternura jamais esquecida.

Os dias devastados pela claridade,
E as noites nunca adormecidas,
Tantas coisas que desejaria apagar,
Como um imaginário controle remoto sempre a mão,
Escolher o canal que diferencia a boa da má programação:
Quanto engano, quanto devaneio!...

Quando olho para a janela,
Tudo parece como estava antes,
Cabisbaixo, vejo soltas antigas cartas de amor,
A morte não está presente nestes dias,
Simplesmente são desvelados pensamentos a cada momento,
Privando a memória de matar a dor,
Ampliando a angústia calada,
A ausência nunca esquecida.

A dor nunca abandona a alma,
O amor por razões indecifráveis pode cessar a prosseguir,
Os sentimentos guardados são almas velejantes,
Ao sabor do mar eles caminham livremente suscitando a angústia,
De tanta indelicada crueldade,
A morte nunca deixa a dor descansar,
Ressuscita a cada lembrança que lateja permanente na memória,
Os olhos nunca são esquecidos,
(Aqueles olhos de encantamento apaixonado...)
Na madrugada quente e sem o sabor de uma vulgar brisa,
Somente o desgaste do lápis rabiscando sobre papéis em branco,
Recita a canção de mais uma noite,
A morte nunca carrega o sofrimento para a lápide,
E a saudade latente e a persistência da dor.

A dor nunca assassina ou permite-se ser assassinada,
Apenas corrói a alma transformando-a num simples objeto esquálido,
A vida e a dor são irmãs dialéticas e xifópagas.
Por mais que se odeiam uma em relação à outra,
A dor-afeto que tanto pulveriza meus olhos,
É o que nutre os alicerces dos meus dias,
E combato minhas pulsões,
Com único alento de dar sobrevida a minha existência.

Edith Piaf remete-me na intensidade do corte na carne,
“Les feuilles mortes” e“Ne me quite pas” desalinham meus olhos cerrados,
Paris, São Paulo, Atlântida... Onde encontrar seus passos?
O silêncio canibaliza querelas de esperança,
A morte nunca deixa a dor gangrenar,
A dor em viva latência como a selva deslizando da árvore castigada,
A dor é o fulcro ocular que testemunha o prazer sucumbido,
Sua atrocidade não lesiona os tecidos,
Porém seus caprichos fulminam a alma.

No Dia de Finados,
Invariavelmente chove,
Chuva fina ou temporal,
Pouco importa neste momento...
Quantas palavras que precisam ser ditas aos seus ouvidos ensurdecidos,
Tudo o que desejo é a chance de tocar em seus lábios furtivos,
Quando o Demônio invade os dias com seus assombros em tons acinzentados,
Busco a inspiração em Jó para trilhar meus passos em becos escuros.
Não sei da tristeza que aflige suas mãos e que esconde detrás dos suspiros exalados dos seus pulmões,
O cheiro da terra úmida não desfaz de minhas memórias,
Jamais deixarei desaparecer sua presença do meu coração,
Como lágrimas nutridas de lembranças,
Um despejar de silêncio e saudades,
Hoje e sempre!...