domingo, 11 de novembro de 2007

Noite


Noite...
Noite que brinda com seu brilho ofuscante,
Noite que desperta os espíritos de mau agouro,
Noite que não sacia os desejos pulsantes diante do silêncio...

Caminho por ruas quase desertas,
Monotonia rompida por barulhos de estilhaços de vidro ao chão,
Erráticos carros rompendo a paisagem com seus escapamentos cretinos,
Ao longe é possível ouvir os sussurros dos infectados por entorpecentes.
Cães ladram incansavelmente na vã tentativa de proteger seus lares,
Nenhuma viatura policial ao redor e nenhuma novidade neste fato,
Comércio livre para os viciados de prazer imediato de uma fumaça idiota e alucinógena,
Deus adormece quando as ruas são tomadas pela escuridão.
(Deus sempre está dormindo!...)

Noite de longa distância,
Longa promessa de ausência,
O celibato é tão atípico,
O confinamento é tão mórbido,
O cárcere é um insólito destino.
Longa margem que não desfaz,
Mãos exaustas erguidas...
E tão negadas por lábios cruelmente cerrados.
O silêncio devora os sentidos,
Noite que canibaliza a procissão do amor interrompido.
Noite que despeja uma lágrima,
Na face da alma em reclusão.

Noite longa noite,
Pensamentos vagam sem rumo,
Em busca de apenas um único olhar,
Meus passos já sem grande segurança,
Como se não chegasse a lugar algum...
Mas mesmo com as adversidades percorro o pântano sentimental,
Herança nada confortável e jamais me conformarei.
A lua parece querer dizer alguma coisa,
Não sei ao certo...
Nada sei...
A noite proporciona um diálogo informal com meus demônios,
Sem saída, apenas recolho minha lágrima seca,
Num mundo que a vida não vale mais que um punhado de serpentina,
Tudo é tão estranhamente vago,
Tudo poderia ser tão simples,
Tudo nada mais é que um pouco de miragem com algum álcool para atormentar,
A rota da felicidade é tão paradoxal:
Tínhamos tudo nas mãos e nada temos agora...
A solidão ao redor reproduz uma aspereza indecifrável,
A pergunta que não cala,
É o verbo que vaticina meus desejos,
A noite que assistia nossa troca de profundos afetos,
Tão sublime e tenra energia...
Hoje são rios que devoram o que resta da tal sanidade.

Noite...
Eu sou a noite!
(Brando com toda a força inacessível.)
Noite que purga meus erros,
Noite que atravessa o asfalto,
Noite que inunda minhas vestes com sua chuva providencial,
Noite que molha meus sapatos,
Noite que atormenta a alma,
Noite que visita seu travesseiro,
Noite que deságua nas imagens translúcidas de um retrato,
Noite que cativa a tempestade,
Noite que interrompe o gozo,
Noite que interdita o sono,
Noite que calcifica a dor,
Noite que penetra na sombra da memória,
Noite que alucina seus temores,
Noite que amplia a devastação da saudade,
Noite que grita um eco surdo em silêncio...

Eu sou a noite!...
A noite que cala as palavras nunca ditas,
A noite desafia as amarras do Tempo,
A noite sem brilho que vaga eternamente sem prumo.

Um comentário:

exausta disse...

Só quem já passou por uma Noite assim sente o que vc quiz dizer..
Que bom, afinal, conseguir expressar-se assim...vc com essa riqueza de imagens, extraídas do seu torvelinho de aflições, desvenda nossa profunda solidão...e acaba por pacificar a dor alheia...
um abraço