segunda-feira, 26 de novembro de 2007

As ilusões do sótão


Ainda gostaria que soubesse que nunca podemos nos esconder atrás do silêncio,
Gostaria ainda que a verdade fosse uma simples nostalgia moribunda,
Um breve artifício para sobreviver os pés atados ao pântano,
O ar exalado não fosse causar uma dor maior no interior da muralha.

Talvez a vida ficasse mais fácil quando acreditamos na inútil fuga de nós mesmo,
Como se fosse possível abrir a porta do sótão e atirar todas as angústias perfazendo uma montanha imaginária de dilemas,
E após acumular todas as coisas que nos fazem penar,
Bater a porta com tamanha força com o desejo quase intangível de cessar a pulsante dor.

Um fôlego de alívio... Dura tão pouco tempo a ilusão!
Uma vez é conferido se a porta está trancada,
Confere outra vez para que se tenha certeza que tudo lá está confinado,
O sótão é o campo de concentração para indeléveis pesadelos.

Incinerar o passado como se postasse uma carta com endereço errado para nunca chegar ao destino.
A dor que traz consigo e os dilemas presentes na conversa ao espelho,
Quantos não dariam o sangue para livrar das lágrimas destiladas na escuridão?
Ninguém compreende a dor alheia quando não é sentida vorazmente na própria derme.

Andar passo a passo pelos corredores sem chegar a algum lugar conhecido,
Levantar da cama compartilhada de um frio vazio e observar os ponteiros do relógio,
A noite não finda e a cabeça gira como um liquidificador movido à energia do dilúvio.
A janela pouco tem a dizer quando se cala os adiabáticos lábios em constrição.

O calendário é o inimigo diário tão costumeiro das veleidades de nossos pecados.
Preto e branco ou colorido? Os dias passam invariavelmente quase sempre desbotados.
Um quadro na parede, um pequeno colar postado na carteira ou uma imagem eletrônica,
Tudo oprime na debruçada espera extática da eclosão do aturdido milagre.

A madrugada impertinente é o lugar mais próximo entre a saudade e a expectativa.
A cada giro da chave ao abrir a porta se transforma num anseio implacável guardado dentro de casa.
Tanta vontade de encontrar aqueles olhos com um sorriso brilhante à espera do regresso...
Abre-se a porta e nada se revela, exceto mais um dia de espera exaurida.

Um cálice na mão e uma bebida qualquer com alguns cubos de gelo,
Com um coração diminuído, diante do sótão e sentado ao chão,
Algumas canções bem conhecidas de uma história comum são desatadas ecoando pelos cômodos,
Quais as palavras a serem ditas quando o inexorável domina a realidade?

Quanto tempo resta quando é tão grande a mesa rodeada de pratos e talheres vazios?
O sabor de cada alimento se esvai com o calor de algumas miragens,
Ainda na observância do relógio assistindo a hora deslizar sem paradeiro,
Já é noite ou dia? Nada corre sem a aspereza da saudade confinada.

A presença do olhar tão atado aos velhos costumes de impossível esquecimento,
Nunca é substituída por nenhum chão úmido e embriaguez passageira,
Tudo poderia ser tão fácil se o sótão confinasse o que fosse possível encarcerar,
Tanta ilusão é revivida quando a vida cede espaço para quem busca abrigo na ausência.

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