domingo, 4 de novembro de 2007

Poema para o Dia de Finados (ou A Dor de Amar)


Quantas culpas e pecados tenho eu? Notifica-me a minha transgressão e o meu pecado.
Por que escondes o rosto e me tens por teu inimigo?
(Jó 13.23-24)

Aguardava eu o bem, e eis que me veio o mal; Esperava a luz, veio-me a escuridão.
(Jó 30.26)



A dor é a ante-sala da loucura,
Escrevo sem temer seus deletérios efeitos.
É o mais trágico dos afetos,
É a luz que pulsa no gargalo das trevas.

Muitas coisas pedem para morrerem no coração,
As lembranças de dias horríveis,
A perda de entes queridos,
A distância de velhos amigos,
O amor atado na cruz,
Os sonhos quase vencidos,
As lágrimas que nunca secam,
A ternura jamais esquecida.

Os dias devastados pela claridade,
E as noites nunca adormecidas,
Tantas coisas que desejaria apagar,
Como um imaginário controle remoto sempre a mão,
Escolher o canal que diferencia a boa da má programação:
Quanto engano, quanto devaneio!...

Quando olho para a janela,
Tudo parece como estava antes,
Cabisbaixo, vejo soltas antigas cartas de amor,
A morte não está presente nestes dias,
Simplesmente são desvelados pensamentos a cada momento,
Privando a memória de matar a dor,
Ampliando a angústia calada,
A ausência nunca esquecida.

A dor nunca abandona a alma,
O amor por razões indecifráveis pode cessar a prosseguir,
Os sentimentos guardados são almas velejantes,
Ao sabor do mar eles caminham livremente suscitando a angústia,
De tanta indelicada crueldade,
A morte nunca deixa a dor descansar,
Ressuscita a cada lembrança que lateja permanente na memória,
Os olhos nunca são esquecidos,
(Aqueles olhos de encantamento apaixonado...)
Na madrugada quente e sem o sabor de uma vulgar brisa,
Somente o desgaste do lápis rabiscando sobre papéis em branco,
Recita a canção de mais uma noite,
A morte nunca carrega o sofrimento para a lápide,
E a saudade latente e a persistência da dor.

A dor nunca assassina ou permite-se ser assassinada,
Apenas corrói a alma transformando-a num simples objeto esquálido,
A vida e a dor são irmãs dialéticas e xifópagas.
Por mais que se odeiam uma em relação à outra,
A dor-afeto que tanto pulveriza meus olhos,
É o que nutre os alicerces dos meus dias,
E combato minhas pulsões,
Com único alento de dar sobrevida a minha existência.

Edith Piaf remete-me na intensidade do corte na carne,
“Les feuilles mortes” e“Ne me quite pas” desalinham meus olhos cerrados,
Paris, São Paulo, Atlântida... Onde encontrar seus passos?
O silêncio canibaliza querelas de esperança,
A morte nunca deixa a dor gangrenar,
A dor em viva latência como a selva deslizando da árvore castigada,
A dor é o fulcro ocular que testemunha o prazer sucumbido,
Sua atrocidade não lesiona os tecidos,
Porém seus caprichos fulminam a alma.

No Dia de Finados,
Invariavelmente chove,
Chuva fina ou temporal,
Pouco importa neste momento...
Quantas palavras que precisam ser ditas aos seus ouvidos ensurdecidos,
Tudo o que desejo é a chance de tocar em seus lábios furtivos,
Quando o Demônio invade os dias com seus assombros em tons acinzentados,
Busco a inspiração em Jó para trilhar meus passos em becos escuros.
Não sei da tristeza que aflige suas mãos e que esconde detrás dos suspiros exalados dos seus pulmões,
O cheiro da terra úmida não desfaz de minhas memórias,
Jamais deixarei desaparecer sua presença do meu coração,
Como lágrimas nutridas de lembranças,
Um despejar de silêncio e saudades,
Hoje e sempre!...

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