terça-feira, 20 de novembro de 2007

Memórias do Tempo (A angústia das horas)


Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as cousas nelas escritas, pois o tempo está próximo.
(Apocalipse 1.3)

Tempo que espalha sem destino,
Tempo que não espera ninguém,
Tempo que desliza tão depressa,
Tempo que afaga nenhuma alma.

Tempo de longa espera.
Tempo de breve alegria.
Tempo de grande fantasia.
Tempo de mínima fé.

Tempo que dita o cair dos dias,
Tempo que interdita a angústia das horas,
Tempo que não perdoa os erros e não louva os acertos,
Tempo que imbeciliza, amadurece e envelhece.

Tempo que vaticina os desejos e escárnios,
Tempo que não apara a lágrima de uma mãe,
Tempo que ecoa sorrateiramente pelos sentidos,
Tempo que escorre como grânulos de areia entre os vãos dos dedos.

Tempo é aquilo que não se tem,
Tempo é aquilo que sobra,
Tempo é aquilo que faz penar,
Tempo é aquilo que coagula.

O Tempo é maior que o desespero da morte,
Nada é maior que o seu feroz arbítrio,
Nada é maior que os seus desígnios,
Nada é maior que o seu legado.

O Tempo menospreza classe social.
Não respeita autoridade ou templo.
Não dá atenção para insígnias ou patentes,
Não valoriza rótulos,
Não atende súplicas.
Não ouve clamores.
Não escolhe seus mortos.

Tudo ao mesmo Tempo pode ser muito pouco tempo.
Quase nada pode ser feito sem observar o relógio,
O Tempo que gera uma vida.
O Tempo de um aleatório coito banal,
O Tempo da maternidade sacrificada,
O Tempo do desenrolar de uma criança.
O Tempo que cria é o mesmo que destrói.
(Como o Tempo desgasta a vida e dói na alma!)

Começa o dia, finda a tarde e chega mais uma noite,
O Tempo escoado pela ampulheta da existência,
Quantos já passaram pela vida e sequer deram conta do seu desperdício?
Quantos o Destino suprimiu-lhes a vida antes do Tempo?
Quantos que apenas assistiram ao deslocar dos ponteiros do Tempo?
Passou, passou, agora adeus!...
O Tempo passou pela vida!
Morreram tantas almas antes da vida!
A vida foi sentida ou lograda?
O Tempo passou e quantos nada viveram?
O Tempo é um engano.
O Tempo é uma frustração.
O Tempo é pura redenção.
O Tempo enterra seus filhos.
O Tempo ensurdece a cegueira.
O Tempo corrosivo é sentido na pele e no alto da cruz,
Cultuamos as dores para serem registradas pelo Tempo,
Encarceramos o Amor para preferir ao masoquista retrato do Tempo,
Sacrificamos nossos desejos para não encarar mais uma vez o Tempo.

A tirania do Tempo.
Segundo a segundo,
Atropela os ponteiros invioláveis do Tempo.
Brincamos com o Tempo achando que podemos burlá-lo.
Podemos até lograr a Morte, mas nunca o Tempo.
Toda maquiagem é derretida pelo Tempo.
Toda mentira é revelada pelo Tempo.
Todo engano é martirizado pelo Tempo.
Todo medo é punido pelo Tempo.

O Tempo deixa viver até quando Ele sedimenta suas leis.
Perdemos tanto Tempo quando respiramos apenas para contar o Tempo.
Olhamos para o registro do Tempo nas rugas de nossas mãos,
O Tempo presente na frente do narcíseo espelho,
Tantos sonhos já foram massacrados pela ansiedade do Tempo!
O Tempo com suas verdades tão indecifráveis.
O Tempo que brinca com todos os cadáveres.
O Tempo que despedaça os corpos.
O Tempo que estilhaça a paz.
O Tempo que sublima a vaidade.
O Tempo que desvirgina a ingenuidade.
O Tempo que acende um cigarro.
O Tempo que revira o travesseiro.
O Tempo que silencia os lábios.
O Tempo que causa dor (profunda dor!).
O Tempo que turbina a insanidade,
E o mesmo Tempo que amplia a atormentada angústia.

No Tempo da réstia de esperança tudo era possível,
Acreditar na liberdade sem fim,
Ousar pedir para que o Tempo leve todas as mágoas,
Sussurrar ao Tempo todos os segredos,
Bater na porta esperando o Tempo passar,
Tantas madrugadas em Sol negando o Tempo,
Esperar o Tempo afogar as memórias da solidão.

Tempo do alinhamento dos astros celestes,
Tempo das páginas amareladas da história,
Tempo das fotografias borradas pelo sangue dos dedos,
Tempo que leva para longe os afetos, paixões, emoções...

Tempo de mãos atadas de crueldade implacável.
Tempo que açoita a saudade daquele beijo de amor sincero,
Tempo que maltrata o peito maculado de pustulentas enfermidades,
Tempo que não escolhe suas vítimas.

Tempo é tudo aquilo que acredita ser remediável,
Tempo é tudo aquilo que engana a si mesmo,
Tempo é tudo aquilo que ansia pela eternidade,
Tempo é tudo aquilo que não é imortal.

O Tempo mente.
O Tempo sente.
O Tempo lateja.
O Tempo finda.
O Tempo chora.
O Tempo corta.
O Tempo cala.
O Tempo corrói.
O Tempo dói.
O Tempo grita.
O Tempo suplica.
O Tempo sangra.
O Tempo corre.
O Tempo morre...
O Tempo não vive mais do que o desabrochar de necessidades mundanas.

Nasce o dia,
E mais outro dia...
E o firmamento passa pelo Tempo.
O Tempo à espera pela barca de Caronte,
O medo indelével do fim dos dias.
Não há vida presente,
Apenas mera ilusão perene.
O Tempo é o passado do retrovisor.
O Tempo é o futuro da bola de cristal.
O Tempo é o presente que nunca se vive: postergar, postergar e postergar!
O Tempo é aquilo que já não tenho,
O Tempo é aquilo que tanto sufoca,
O Tempo é aquilo que aprisiona,
O Tempo é aquilo que se extinguiu ao escrever tais palavras.
(Quanto Amor foi morto antes do Tempo?)

O Tempo é a maior das criações humanas.
O Tempo não é ateu.
O Tempo tampouco é da Ciência.
O Tempo amoral é a religião.
O Tempo é o fanatismo da modernidade.
O Tempo é o lucro dos abutres.
O Tempo é a cevada dos sedentos.
O Tempo é a chave para a vida.
O Tempo cicatriza os lábios da morte.
O Tempo que nutre falsos profetas e espalha profecias.
O Tempo é tudo aquilo que foi criado.
O Tempo é tudo que nunca existiu.
Oxalá se até mesmo Deus é filho do Tempo!
Ao mesmo Tempo em que Ele é tudo.
Somos poeira cósmica a espera do Tempo.
O Tempo que nos leva,
O Tempo que nos consome,
Quanto Tempo nos resta?

No debruçar da longa noite de cada um de nós,
Na estrada infinita do Tempo,
Quem poderá desobedecer aos seus caprichos?

Um comentário:

Unknown disse...

Wellington Fontes,

Parabéns pelo seu trabalho, aprecia-lo foi o tempo perdido mais proveitoso do meu dia (prefiro me enganar achando que é meu).

Que Deus o abençoe e te dê a PAZ!