terça-feira, 13 de novembro de 2007

A marcha


“Toda saudade é um capuz
Transparente

Que veda

E ao mesmo tempo

Traz a visão

Do que não se pode ver

Porque se deixou pra trás

Mas que se guardou no coração”

(Gilberto Gil, in “Toda saudade”, 1984)



Quando eu ouvi Você chorar,
Que melancolia me cobria diante do seu triste penar,...
Quando eu senti a sua dor sem cessar,
Que aflição percorria o meu peito sem poder lhe ajudar...


Cantar é a minha profissão de fé,
Uma marcha oriunda da emoção hei de compor
Caminhar sem poder parar...
O que move meus pés
É ânsia de buscar a Paz em seu coração,
Tranqüilizando suas dores,
Afugentando seus temores,
Amenizando seus ombros,
Minimizando pesadelos intangíveis...


Nada muda o curso das coisas,
Nada é imutável em sua plenitude,
Nada é sagrado o suficiente para sobreviver
O inexorável destino de cada ser...
A vida é composta de uma mística amálgama
Entre o desbotar da alegria
E a incomensurável calor da sangria...
Tudo na vida nunca é totalmente eterno,
Tudo na ausência nunca é totalmente distância,
Tudo na dor nunca é totalmente lágrimas...
Minha marcha é caminhar com as palavras,
Ao longo de linhas curvilíneas,
Como as curvas da longa peregrinação da nossa existência,
Peregrinar,
Peregrinar,
Peregrinar com o rosto sorvendo o vento gélido das manhãs orvalhadas,
A cada dia procurar um novo caminho,
Que distancie dos conflitos de nossa alma,
Um sábio descanso da mente...


Quando a voraz angústia pretender lhe consumir,
Não lagrimeje na solidão,
Não abrigue em seu peito a dor,
Não sedimente palavras que façam liberar o fardo d’álma...
Eu queria tanto poder lhe dizer
Que a vida quando nos abandona,
Um dia volta ao nosso presente,
Um dia que partiu ausente,
Voltará quando menos acreditar...
Mas a vida não é assim,
É uma marcha sem fim,
A solidão tão ruim,
Uma terra sem querubim...
Um caminhar sem tréguas,
Um destino a prosseguir sem mais demora,
Uma dor que sufoca uma outra dor,
Uma alegria que sucumbe uma mágoa,
Um passo diante do outro,
Uma busca de vaga esperança,
Um percurso cheio de espinhos,
Mas que há muitas rosas que florescem
Quando estamos dispostos a enxergar
No vazio de finita solidez,
O éter formador da aura que escurece o Cosmo,
Enegrecendo o coração daqueles que desistem da caminhada,
Sejam os que são desmotivados pelo cansaço,
Sejam os que são convalescidos pelo atroz comodismo...
Não podemos parar !


A vida é assim,
De dor em dor,
Temos que redigir nossas vidas...


A vida é assim,
De lágrima em lágrima,
Temos que semear a breve história de nossas existências...


A vida é assim,
De palavra em palavra,
Temos que erguer um sólido alcácer,
Com reluz caráter e a devoção de liras sacras...


A vida é assim,
De ausência em ausência,
Temos que lutar para manter nossos sonhos diante dos olhos,
Próximos da possibilidade,
E inseridos na alma e no coração.


Viver é uma luta constante,
Brio que gela a espinha,
Uma fobia silenciosa,
Um martírio sem luz...
A esperança nos guia ao vasto mundo do inexplorável,
A cada possibilidade um receio,
A cada silêncio uma voz monossilábica,
A cada lágrima dolorida que desliza a face
É uma chama incinerando uma saudade.


O sorriso é a vela que move uma nau em deriva,
A saudade é o motor propulsando,
A lembrança conservada na memória
É a certeza que o semblante de quem um dia amamos
Eternizará ao longo da vida
Presente a cada momento ausente
Onipresente em nosso íntimo,
Eternamente!


A saudade alimenta a nossa dor,
A lembrança ameniza a ausência,
E a memória imortaliza a perda para o infinito...


E nestas horas,
É preciso estar forte,
É preciso estar altivo,
É preciso seguir a marcha,
Rumo à felicidade,
Rumo ao eterno...
Sempre!...


Talvez então,
A oratória de nossas preces
Possam fazer sentido,
Não com palavras pagãs,
Mas com os sentimentos e a árdua paciência
Do genuíno sentido da Fé.


Se no caminho da marcha,
Não há a alegria que ansiamos,
Ao menos, com certeza, encontraremos reflexão !

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